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11.8 PÓS-EXILIO (DOMINAÇÃO PERSA) 538-333 a.C
11.8 PÓS-EXILIO (DOMINAÇÃO PERSA) 538-333 a.C

Na aula anterior vimos que o reino de Judá experimentou um fim trágico quando o rei da Babilônia, Nabucodonosor, em 587/6 a.C invadiu Jerusalém destruiu seus muros, arrasou o Templo e deportou parte da população para o exílio na Babilônia.

 

A Babilônia, ao dominar Judá, nada fez para que Jerusalém, os muros, as fortalezas e o Templo fossem reconstruídos. Antes, continuava a exigir impostos e altos tributos. Mas, como todos os impérios, um dia este também iria acabar. E não demorou muito para que isso acontecesse.

 

No ano 539 a.C., Ciro rei dos medos e persas engole sem nenhuma resistência, grande parte do Império da Babilônia. Dessa forma, pôs fim a quase um século de domínio da Babilônia no Oriente Médio.

 

Nesta aula estudaremos o período de hegemonia Persa na região, a volta dos exilados e os esforços de seus líderes para reconstruírem o Templo e a cidade de Jerusalém. A volta dos exilados foi vista como ameaça por parte dos que estavam na terra, e a mistura de raças entre a população que havia ficado criou conflitos e mútua rejeição dos que chegavam de volta à sua terra. Mas nada impediu que a comunidade se reorganizasse ao redor do Livro da Lei e firmasse seus valores essenciais.

 

Esse é um período é muito rico, pois apresenta os livros bíblicos que foram escritos nessa época. Eles descrevem o questionamento e a resistência que se formou contra a excessiva exigência de não serem aceitas pessoas estrangeiras no meio do povo e contra a opressão do povo a partir do Templo. Esses livros, que iremos conhecer neste estudo, abrem a mensagem bíblica para todos os povos e retratam a nova compreensão, mais abrangente e universal, que os sábios da Bíblia passam a ter de Deus e de seu projeto.

 

1- CIRO, REI PERSA E OS PLANOS DE RECONSTRUÇÃO DA JUDÉIA.

As grandes potências vão durar para sempre? O poder de suas armas, o controle da comunicação e da economia são tão fortes que parece impossível derruba-las. Assim era a Babilônia senhora do Oriente Médio, fascinava por seu esplendor, jardins suspensos, largas avenidas, templos, construções. Nada levava a crer que, 50 anos mais tarde, os babilônios não seriam mais os donos do mundo. Quem passa hoje por suas ruinas pode constatar o que Jeremias e Isaias haviam profetizado: “Suas cidades ficaram desoladas como terra seca e deserta, terra que ninguém habita, que nenhum mortal atravessa” (Jr 51,43). “Nunca mais será habitada; gerações após gerações, ela não será jamais ocupada. Aí se abrigarão os animais do deserto: as casas da cidade estarão povoadas de corujas; ai vão dormir filhotes de avestruz... A hora da Babilônia está chegando, os seus dias não serão prorrogados” (Is 13,20-22). Um grande império opressor não é eterno, mas é substituído por outro. Nesse vaivém dos impérios, os povos oprimidos podem ter esperança? Como?

 

Estamos no ano 537 a.C a agonia dos judeus chega ao fim, e novos ventos começaram a soprar. Em quase cinquenta anos de desterro, os Judeus tinham perdido tudo, mas nunca a esperança. A esperança em Deus era muito forte. "Ele vai enviar um libertador à altura de Moisés", assim esperavam os exilados na Babilônia. Mas Deus tem seus planos, que nem sempre são iguais aos nossos. Uma olhada no panorama internacional nos ajudará a compreender como se deram os fatos.

 

No ano 539 a.C o rei da Pérsia, Ciro, conquistou, sem nenhuma resistência, o território do império babilônico[1] formando assim o maior império do Oriente. Pelo seu respeito à cultura e às tradições religiosas, Ciro impôs confiança aos povos que foi conquistando, tanto que alguns grupos babilônicos que discordavam da política oficial saudaram Ciro, a ponto de um sacerdote babilônico afirmar: “Na Babilônia reina alegria”.

 

A troca de dominador foi festejada também pelos povos dominados e, de modo especial, pelos judeus exilados que viam com bons olhos o senhor do novo império. O grupo profético do Deutero-Isaías proclamou o novo rei como ungido do Senhor, pastor e messias, nome reservados somente aos reis da dinastia de Davi. Vale a pena ler: Is 45,1-7; 44,28. O motivo de tão grande jubilo era a estratégia política adotada pelos persas.

 

Explicando Is 45,1-7

Durante o reinado de Nabônides, rei da Babilônia, desponta na Pérsia uma nova estrela da política internacional… Em 553 a.C., Ciro, rei dos Persas, conquista a capital da Média (Ecbátana) e junta no mesmo império os Medos e os Persas. Depois (547 a.C.), marcha contra a Lídia, conquista Sardes e apodera-se da maior parte da Ásia Menor. Nos anos seguintes, uma série de vitórias fulgurantes dão-lhe o domínio do Irã, do Afeganistão e do Turquestão, até à Índia. Fortalecido em ouro e em homens dirige, em seguida, os seus exércitos contra a Babilônia e, em 539 a.C., entra vitorioso na capital babilônica onde, sem qualquer oposição, é recebido como libertador.

 

A atividade profética do Deutero-Isaías desenvolve-se nos anos que precederam a entrada vitoriosa de Ciro na Babilônia… As notícias que chegam sobre as vitórias de Ciro fazem os exilados sonhar com a proximidade da libertação do cativeiro. À alegria pela libertação iminente junta-se, no entanto, alguma confusão e perplexidade… Então o libertador não vai sair do meio do Povo de Deus, mas é um rei estrangeiro? E quando a libertação acontecer, a quem deve ser atribuída: a Jahwéh, o Deus dos exilados judeus, ou a Marduk, o deus de Ciro? Jahwéh ter-se-á desinteressado do seu Povo? Ou terá perdido o seu poder?

 

Trata-se de um problema teológico sério que, em última análise, pode determinar a manutenção ou não da fé do Povo em Jahwéh. O Deutero-Isaías vai procurar esclarecer esta questão e explicar o papel de Jahwéh nos acontecimentos.

 

MENSAGEM. O Deutero-Isaías não tem dúvidas: Jahwéh é o verdadeiro condutor de todo o processo que vai culminar na libertação do Povo de Deus. Ciro, o grande rei que se apresta para derrubar o orgulhoso poderio babilônico, é “o ungido” (no original hebraico: “o messias”; em grego: “o cristo”) de Jahwéh. Dizer que Ciro é “o ungido” significa dizer que ele recebeu a “unção” com óleo; e que, através dessa “unção”, Ciro recebeu o Espírito de Deus e foi investido para uma missão. No Antigo Testamento, a unção com óleo capacita o “ungido” seja para a missão real (cf. 2 Sam 5,3), seja para a missão sacerdotal (cf. Ex 29,7), seja para a missão profética (cf. 1 Re 19,16; Is 61,1). Aqui trata-se, evidentemente, da missão real. Portanto, Deus escolheu Ciro, derramou sobre ele o seu Espírito e concedeu-lhe a insígnia do poder (“cingi-te” – vers. 5) para que ele, desempenhando a sua missão real, se tornasse o instrumento de Deus no mundo.

 

O que é que, em concreto, Jahwéh pede a Ciro? Qual a missão que Ele lhe confia? Ciro foi designado por Deus para “subjugar as nações”, “fazer cair as armas das cinturas dos reis”, “abrir as portas à sua frente sem que nenhuma lhe seja fechada”. As expressões utilizadas pelo Deutero-Isaías situam a missão confiada por Deus a Ciro no âmbito político-militar. No entanto, o que é aqui preponderante é que essa missão deve concretizar-se em benefício do Povo de Deus: se Deus chamou Ciro “pelo nome”, lhe deu “um título glorioso” e lhe confiou o poder sobre as nações foi, nas palavras de Jahwéh, “por causa de Jacó, meu servo, e de Israel, meu eleito…”. Ciro aparece, claramente, como o instrumento através do qual Deus atua no mundo e na história e realiza os seus projetos de salvação e de libertação do seu Povo. É através dos homens que Deus intervém no mundo.

 

De resto, o Deutero-Isaías deixa claro que só Jahwéh é o Senhor da história e que, fora d’Ele, não há Deus. É verdade que Ciro ainda não conhece Jahwéh; mas, sem o saber, ele está para realizar o projeto do Senhor. Portanto, é a Jahwéh e não a Marduk que os exilados devem agradecer a sua libertação. Embora servindo-se de um rei estrangeiro, Jahwéh vai mostrar a Judá que é, definitivamente, esse Deus salvador e libertador, em quem o Povo pode sempre confiar.

 

Diferente dos outros dominadores (assírios e babilônicos), os persas eram mais tolerantes e adotavam política de respeito para com todos os seus dominados. Um sinal indicativo desse respeito é o uso da língua do povo dominado nas inscrições régias e na correspondência oficial. Os demais impérios impunham a própria língua. No império persa, os escritos oficiais apareciam em três línguas: persa, elamita e babilonês. Na Síria e na Palestina, que não falavam essas línguas, os decretos e as inscrições vinham na língua aramaica, conhecida e falada na região.

 

Com a tomada da Babilônia, a Pérsia tornou-se o maior império do Oriente. Judá continuava dependente e o povo exilado descobriu-se como uma pequena comunidade étnica perdida no vasto império em meio a muitas raças. Era obrigado a continuar aceitando um rei estrangeiro que lhe ditava normas e leis, era vigiado por um exército que controlava o pagamento dos tributos e impostos. Judá não decidia mais seu destino, nem via possibilidade de uma independência política num futuro próximo.

 

Assim que tomou o poder, Ciro emitiu um decreto permitindo que os exilados retornassem aos seus países  reconstruíssem suas cidades e seus muros. A política do persa Ciro dava certas garantias de autonomia para os povos vencidos que desejassem retomar ao seu país de origem. No caso dos Judeus, mandou restituir imagens e objetos sagrados que haviam sido espoliados na dominação dos babilônios e favoreceu a reconstrução do templo de Jerusalém que tinha sido danificado. O decreto de Ciro ou edito de Ciro, parece ser algo como o que se encontra em Esd 1,2-4.

 

Diante de tudo isso, muitos exilados não quiseram voltar para seu país de origem. Muitos preferiram ficar na Babilônia. Não é difícil compreender os motivos. A longo prazo a permanência na Babilônia também trouxe suas vantagens. Um considerável número de judeus já havia se adaptado à nova realidade dos babilônios, sem risco de perder sua identidade. Houve razões de sobra para a permanência de muitos, como situação profissional e econômica estáveis, laços familiares com os povos locais, aquisição de propriedade e terras. A principal lição tirada do Exílio, principalmente nas esferas social e religiosa, foi que a sobrevivência se tornou possível no meio de qualquer povo ou lugar.

 

Outros, porém, voltaram, pois falou mais alto o amor à terra, o apego às tradições, o desejo de reconstruírem o Templo, a cidade e a comunidade de Israel. Nasceram então vários projetos de reconstrução de Judá, que se iniciaram ainda no tempo de Ciro, por volta de 537 a.C., mas, como em todo processo migratório, a proposta da volta para a Palestina não foi prontamente aceito por todos.

 

A destruição da nação, em 586, causou certa desintegração social, principalmente porque os líderes foram levados cativos. Muitas comunidades continuaram a se organizar mesmo longe da terra de Israel. A esse processo lento deu-se o nome de diáspora, para se referir aos judeus que viviam fora de Israel. Isso fez criar a consciência de que Deus Javé podia agora ser celebrado em terras longínquas, distante do centro principal do culto, que era o Templo de· Jerusalém.

 

Ao mesmo tempo, os exilados sabiam que a reconstrução do Templo tinha um significado quase "messiânico". Simbolizaria a garantia eterna da unidade recuperada, motivo capaz de trazer de volta os judeus dispersos pelo Exílio. Aqueles que optaram por permanecer na Babilônia tinham o dever moral para com aqueles que decidiram partir. Os grupos de sacerdotes, a família real, comerciantes, artesões e funcionários ligados ao Templo, sentiram-se todos envolvidos nesse anseio de ver a vida reconstruída na terra de Israel. Lutariam para garantir essa unidade judaica através de subsídios materiais enviados para a reconstrução da nação, a começar pelo Templo. Isso fez com que muitos judeus da Babilônia, que nunca mais retomaram à terra de seus ancestrais, olhassem para o Templo como o símbolo máximo da reconstrução da unidade judaica.

 

1.1- Os conflitos criados com o retorno dos exilados

Sabemos que foi apenas um grupo pequeno de judeus, que foi levado cativo para a Babilônia. Trata-se da elite de sobreviventes de líderes israelitas constituídos pela família real, sacerdotes, funcionários do templo, comerciantes e artesãos. Tirar esses líderes do seu meio foi uma das formas de deixar a nação mais vulnerável ao domínio estrangeiro. Quando uma nação perde suas principais lideranças o controle daqueles que ficam e a ocupação ficam muito mais fáceis.

 

Por isso, não foi necessário levar todo o povo para o Exílio. A maior parte da população permaneceu na Terra de Israel, maioria constituída de camponeses, artesãos pobres e pastores.

 

Talvez, mais importante que o exílio, propriamente dito, tenha sido o fenômeno da dispersão (diáspora) a que o povo esteve submetido. Foi a dispersão que caracterizou o povo judeu como povo presente entre outros povos.

 

Com o retorno dos exilados, os assentamentos das famílias na Palestina tiveram muitos problemas. É que estavam regressando os "legítimos herdeiros", os antigos "donos" que possuíam as terras antes da invasão babilônica.

 

As brigas e tensões não foram poucas. Em 586 a.C. muitos tiveram que deixar tudo às pressas para serem deportados para uma terra estrangeira. Suas propriedades foram confiscadas. Com a anistia do rei Ciro (538) e com o retorno das famílias à Palestina abriu-se um novo capítulo. Os antigos donos começaram a reclamar a posse de seus bens antes confiscados. Tente imaginar essa situação! Permitiríamos que nossos bens ficassem definitivamente em posse de outras pessoas? Não lutaríamos para recuperar o que antes nos pertencia? Pois foi isso que ocorreu. Os exilados sentiam-se no direito de retomar as antigas posses que seus avós e ancestrais foram obrigados a abandonar antes de seguir para o cativeiro da Babilônia, em 586 a,C. Acontece que ao chegar na Palestina perceberam que grandes mudanças haviam ocorrido. Aqueles que permaneceram, naturalmente tomaram posse das propriedades e mantiveram a terra produzindo. Formavam um contingente de camponeses, conhecidos mais tarde como "povo da Terra”. A eles se misturavam ainda outros estrangeiros e samaritanos que retornaram de Nínive. Esse encontro, entre antigos donos que retomaram do cativeiro e os que já estavam nas suas propriedades, acabou gerando os primeiros conflitos na terra.

 

As caravanas que regressavam do exílio traziam as classes de dirigentes e lideranças judaicas: membros da antiga corte, sacerdotes e levitas, artesãos, intelectuais e escribas. A atuação dessa elite judaica foi determinante para a reorganização da nação com bases na reelaboração da Lei de Moisés. É isso que iremos ver em seguida.

 

1.2 – Sasabassar: chefe da primeira caravana

Os persas nomeavam, quando possível, príncipes ou lideranças do próprio povo para governar as províncias dominadas. Judá também passou por esse processo. Em 538 a.C., Sasabassar foi nomeado governador e teve como missão chefiar o retorno do primeiro grupo de exilados, bem como conduzir, de Babilônia para Jerusalém, os utensílios de ouro e prata do templo (Esd 1,8;5,14). Além disso, coube ao mesmo governador colocar os fundamentos do novo templo de Jerusalém, mas não foi uma missão fácil.

 

Os repatriados regressaram, animados pelas promessas da profecia de Isaias (Is 40-45), mas ao chegar a Jerusalém, diante da realidade encontrada, o sorriso foi cedendo lugar às lágrimas. A situação era lamentável. Campos abandonados, cidades em ruínas, muralhas destruídas, e o templo em cinzas. Parte dos terrenos abandonados havia-se tornado selvagem e as melhores terras estavam ocupadas pelos remanescentes.[2]

 

Os camponeses remanescentes de Judá e os repatriados entraram em conflito por razões óbvias, pois, os descendentes dos antigos deportados se achavam no direito de retomar a herança de seus pais e que os babilônios haviam distribuído aos camponeses empobrecidos. O conflito foi inevitável. É, pois, natural que os pobres da terra se opusessem aos interesses dos repatriados. Muitos repatriados certamente compraram as terras de camponeses pobres.

 

Uma das primeiras tarefas desse primeiro grupo era a reconstrução do altar de sacrifícios (Esd 3,2-3), mas o povo estava mais interessado em readquirir as terras de seus antepassados e construir suas próprias casas (Ag 1,2-4) do que trabalhar para reconstruir a cidade e o Templo.

 

Essa tarefa coube, anos mais tarde, a Zorababel e Josué a partir de 520 a.C, uma vez que Sasabassar não conseguiu ir muito além da reconstrução do altar e do lançamento dos fundamentos do segundo templo (Esd 3,6-13 e 5,14-16).

 

Além do desinteresse dos repatriados as obras do templo não foram adiante por causa da resistência dos camponeses que ficaram morando nas terras de Judá, depois da deportação, entre os quais se encontrava os samaritanos, amonitas e moabitas que haviam se misturados com os remanescentes durante o exílio (Esd 3,3). Esses camponeses tinham um projeto diferente daquele defendido pelos sacerdotes repatriados. Seu grito de resistência continua ecoando ainda hoje nos ditos do 3° Isaías (56-66), bem como nos Livros de Rute, Jonas e Jó.

 

Para entender esse conflito é necessário saber que depois da destruição do Reino de Israel em 722 a.C. pelos assírios, os israelitas se misturaram com outros povos (2Rs 17,24-40). Na ótica dos judaítas e especialmente dos repatriados, os samaritanos haviam se "contaminado" com outros povos e outras religiões, embora cultuassem também a Javé. Segundo os Livros de Esdras e Neemias, "samaritanos" são todos aqueles que não foram para o exílio! Mesmo os que moravam em Judá.

 

Os repatriados por sua vez, consideravam apenas as tribos de Judá e Benjamim, isto é, o antigo Reino de Judá, no Sul, como o verdadeiro Israel. E mais especificamente, os repatriados, chamados de Golá se consideravam o verdadeiro povo de Deus e legitimo dono da terra.  As demais tribos eram seus inimigos. Sua história foi silenciada, excluída (Esd 1,5; 4,1; 10,9; Ne 11,4).

 

Para não se "contaminarem" com os samaritanos, os repatriados rejeitaram sua oferta de ajuda na reconstrução do templo (Esd 4,1-5). Com isso, aumentaram ainda mais as antigas divergências.

 

Em torno de 430 a.C., a ruptura foi total. Anos mais tarde, possivelmente em torno de 400 a.C., os samaritanos construíram um templo de Javé no monte Garizim, para servir de centro religioso à província da Samaria.

 

Nesse período, o nome "Israel" não era mais uma referência à organização tribal. Nem era uma alusão à época do reinado unido sob Davi e Salomão. Muito menos se referia ao Reino do Norte, que também já não existia mais. "Israel" passou a ser a comunidade judaica que se reunia no templo de Jerusalém, tendo uma identidade comum (Esd 2,2). Deve-se incluir nessa comunidade cultual, os deportados da Babilônia (Esd 7,13). Dessa forma, excluíam especialmente os israelitas pertencentes às tribos do Norte, também chamados de samaritanos, ou os judeus que não foram expatriados, chamados pejorativamente de "povo da terra".[3]

 

Nesse período do pós-exilio "povo da terra" não se refere mais aos setores latifundiários da época da monarquia, como já vimos nos estudos anteriores. Nos Livros de Esdras e Neemias, "povo da terra" ou "povos da terra" é uma referência não só aos pobres do campo que não haviam sido deportados, mas também aos povos estrangeiros misturados com eles. Mais tarde, "povo da terra" passou a ser também quem não conhecia a lei judaica e, por essa razão, também não a cumpria. Eram desprezados pelos fiéis cumpridores da Lei. É ao povo da terra, por exemplo, que se refere Jo 7,49.

 

Como o “povo da terra” se opuseram à reconstrução do templo, Sasabassar não conseguiu levar adiante o projeto de reconstruí-lo. Essa tarefa coube a Zorobabel e Josué anos mais tarde, como veremos a seguir.

 

1.3 – Zorobabel: chefe da segunda caravana

Pouco antes de 520 a.C., outra caravana importante foi organizada quando Dario I já era rei dos persas enviando Zorobabel e Josué, representantes do grupo da elite judaica, para a missão de reconstruir o templo. Zorobabel era neto do rei Jeconias (l Cr 3,16-19) também chamado de Joaquin (2Rs 24,6), que havia sido deportado juntamente com Ezequiel para a Babilônia em 597 a.C (2Rs 24,15). Portanto, era da linhagem de Davi. Seu retorno da Babilônia despertou nos judeus mais nacionalistas uma forte esperança de restauração da monarquia davídica. Ainda mais que ele veio como alto comissário do rei Dario, por quem fora nomeado governador (Esd 6,7; Ag 1,1).

 

Josué era sumo sacerdote (Ag 1,1.12), descendente de família sacerdotal sadoquita, filho de Josedec (Esd 3,2) da tribo de Levi, que fora deportado por Nabucodonosor (1Cr 5,41), portanto ele foi o líder religioso durante a construção do segundo templo. Ambos tiveram apoio dos profetas Zacarias e Ageu (Esd 5,1-2). O retorno de Josué foi mais uma razão para aumentar a esperança na reconstrução de um estado davídico independente da Pérsia em torno do Templo.

 

Por volta do ano 460 a.C., surge uma revolta no Egito e na província do Transeufrates, da qual Judá faz parte, também se rebela contra o poder central do império persa. Nesse contexto de grande instabilidade, entre os anos 445 e 432 a.C., o império persa, de olho no corredor Siro-Palestino, envia Neemias para reorganizar Jerusalém e Judá. Apesar da resistência de grupos internos e dos povos vizinhos, ele começa a colocar em funcionamento o projeto de restauração e reestruturação da comunidade.

 

1.3- Neemias

Desde o início da reconstrução do templo, mais de 70 anos já se passaram. O projeto de Zacarias e Josué então iniciado foi continuado e consolidado por Neemias e mais tarde por Esdras. Neemias era descendente de uma antiga família de deportados (Ne 2,4) e chegou a ser copeiro de confiança do rei Artaxerxes I (Ne 1,1.11) o qual o nomeou governador de Judá. Ele chegou a Jerusalém por volta do ano 445 a.C., com documentos que o autorizava a reconstruir os muros da cidade (Ne 2,10-18).

 

Neemias começou os trabalhos e encontrou resistências. As dificuldades nasciam do interior da comunidade e de fora. Internamente, Neemias encontrou dificuldades de ordem econômica e infidelidade às tradições religiosas. A situação de Judá era muito precária, pois estava mergulhada numa profunda crise, dividida entre ricos exploradores e pobres espoliados (Ne 1,1-5; 5,1-5.15). Havia um grande sincretismo religioso atribuído ao casamento com mulheres estrangeiras. As dificuldades externas, por sua vez, vinham sobretudo dos governadores dos países vizinhos que se opunham à reconstrução de Judá. Não bastasse isso Neemias sofreu um atentado armado por Tobias (Ne 6,l0-14), que foi descoberto em tempo.

 

Todas essas oposições não conseguiram desanimar Neemias e o povo de Judá. Mas Neemias viu-se obrigado a proteger militarmente a obra (Ne 4, 10-17), rechaçando as acusações injustas. Fez frente, por sua tenacidade, a todas as ameaças, unindo-se à população de Jerusalém e de Judá. Em 52 dias reconstruiu os muros, colocou vigilância nas portas e fez com que parte da população campesina ocupasse a cidade quase despovoada (Ne 7,4-5; 11,1-3). Conseguiu levar até o fim o trabalho, graças a um rígido esquema de segurança (Ne 3-4; 6,1-7,3).

 

Ao terminar os muros, Neemias fez a dedicação com festejos (Ne 12,27-43) e começou a reorganizar a comunidade. Havia muitas desordens sociais, em particular a venda de judeus concidadãos como escravos, por causa das dívidas contraídas. Suas medidas de reforma foram bem acolhidas pelo povo (Ne 5,1-13; 7,4-72a; 11,1-20). O próprio Neemias informa que atuou durante 12 anos em Jerusalém de maneira íntegra e honesta e retornou para a Babilônia (Ne 5,14).

 

Ao que tudo indica Neemias voltou para uma segunda missão em Jerusalém (Ne 13,6), antes da morte de Artaxerxes I (424 a.C.), e enfrentou diversos problemas relacionados com a organização da comunidade israelita, como a presença de estrangeiros, o repouso sabático e o matrimônio com mulheres estrangeiras (Ne 13,4-31). Ele não teve medo de entrar em conflito com pessoas influentes de Judá (Ne 13,28).

 

Com base na lei do Deuteronômio e no Levítico (Dt 15,1-15 e Lv 25), Neemias exigiu a devolução de tudo o que os pobres perderam pelo abuso do penhor e da cobrança das dívidas por parte dos ricos e proclamou o ano jubilar (Lv 50; Ne 10,31-32). Ele propôs uma reforma interna de cunho social, pedindo aos ricos que devolvessem as terras roubadas e perdoassem as dívidas (Ne 5,6-13). É provável que tenha voltado pela segunda vez a Susa, capital do império persa, deixando Jerusalém com as muralhas reconstruídas e a província da Judéia criada.

 

1.4 - Esdras e a reconstrução da comunidade judaica

Esdras é sacerdote-escriba, sábio intérprete dos mandamentos do Senhor e de suas leis referentes a Israel (Esd 7,11). Recebe o título de escriba da corte do rei da Pérsia, que era uma espécie de secretário para os negócios judaicos (Esd 7,11.21). Mas a função dele como escriba em Jerusalém era a de ler, traduzir e explicar a Lei ao povo (Ne 8,8, essa missão continuou com os escribas também no tempo de Jesus). Ele era membro da comunidade dos deportados. Chegou em Judá, no ano 398 a.C, com a missão de estabelecer a “Lei de Deus” como lei do Rei (Esd 7,26). Os persas tinham a preocupação de unificar os povos do imenso império em tomo de suas tradições religiosas e culturais, e queriam resolver a divisão que existia entre samaritanos e judeus.

 

Esdras recebeu a missão do rei da Pérsia e de seus sete conselheiros, para organizar a comunidade de Jerusalém e de Judá sobre a base da Lei do seu Deus (Esd 7,13-14) e para levar ouro e prata que o rei e seus conselheiros haviam oferecido espontaneamente ao Deus de Israel (Esd 7,15) e ao seu culto. Recebeu ainda autorização para exigir dos tesoureiros da Transeufratênia o que fosse necessário para realizar a missão (Esd 7,21) e para nomear novos juízes e funcionários para velarem pelo cumprimento das leis de Deus e do rei (Esd 7,25-26).

 

A lei não é mais o Deuteronômio, sobre a qual Neemias ainda se inspirou, mas é um escrito recolhido e compilado nos ambientes sacerdotais do exílio na Babilônia. A população da Judéia foi convidada a uma celebração da Lei, lida em público e ratificada por todos (Ne 7,72-8,12). A liturgia prolongou-se na celebração anual da festa das tendas (Ne 8,13-18) e foi seguida de uma confissão dos pecados (Ne 9,1-3).

 

A comunidade firmou um pacto de fidelidade ao Senhor, que abrangia a observância da Lei e do culto. Por isso, Esdras proibiu o casamento com as mulheres estrangeiras, incentivou a separação de quem estivesse casado com elas e a expulsão delas da comunidade (Esd 9-10). A situação era muito conflitiva e difícil. Os filhos das mulheres estrangeiras não eram considerados judeus autênticos, porque a pertença ao povo era determinada pela mãe da criança (Esd 9,1-2; 10,2-10). O incentivo da instrução sobre a lei era para chegar à sua observância estrita, considerada como caminho único de salvação (Ne 8,1-8). Se por um lado Esdras devolveu a identidade ao povo, por outro ele o isolou e segregou dos povos vizinhos.

 

Esdras fez o que lhe foi pedido pelo rei da Pérsia: entregou o donativo régio no Templo e celebrou o sacrifício dos repatriados; informou-se sobre a situação do país e sobre os matrimônios mistos; investigou os casos concretos e autorizou o divórcio. Houve muitos protestos por parte dos profetas e dos escritos sapienciais às leis que entraram em vigor nessa época. A missão de Esdras não parece apontar para uma ampla reforma, mas oferece um esclarecimento sobre a situação de Judá.

 

No período de Esdras, a Lei tornou-se o centro da reforma do judaísmo. A época persa possibilitou a consolidação da lei e das convicções religiosas, apesar das tensões internas na comunidade judaica e dos conflitos na formação de grupos. Tudo isso os preparou para enfrentar as novas ideias e costumes da época helenista, instaurada por Alexandre Magno, como veremos no próximo estudo. A centralização na lei não significou a anulação da fé; antes, foi uma forma de protegê-la diante da dominação. A expressão concreta dessa fé manifestava-se mediante a prática e a observância da lei. Essa fidelidade deu-lhes condições para manterem-se em pé e firmes diante das ameaças que nasciam de todos os lados.

 

Não é por acaso que o Pentateuco termina de fixar-se na época persa e de converter-se em documento base do judaísmo e da identidade da fé judaica. O culto divino da palavra e a leitura da Torá encontraram suas formas independentes da liturgia sacrifical, na qual o centro era o altar dos sacrifícios. Agora o centro passa a ser o livro em forma de rolos.

 

A observância da Lei, do sábado e da circuncisão tomou-se o elemento distintivo e essencial da vida judaica, não só na Palestina, mas também na diáspora. Com essas três instituições o judaísmo encontrou uma vida religiosa independente do Templo, embora ele continuasse sendo o lugar por excelência das peregrinações, do culto sacrifical e das celebrações festivas da Páscoa.

 

Muitos estudiosos interpretaram a elaboração e a fixação das Leis, das prescrições para o culto e do ensino dos escribas como reflexos de uma comunidade privada de autonomia política, e não tanto como consequência de uma autêntica devoção. A impotência política da pequena Judá não impediu a ascendente autoridade moral de Jerusalém, do Templo e de seus dirigentes, que se fortaleciam na consciência de que de Sião realmente sairá a Torá (Is 2,3).

 

1.4 - O significado das reformas de Esdras e Neemias

Os livros de Esdras e Neemias são importantes para compreendermos essa situação. Em primeiro lugar, eles constituem fontes de informações preciosas sobre parte do processo de restauração da comunidade judaica depois do Exílio. Essas duas obras, embora não perfeitamente confiáveis em seus detalhes sobre a história, podem nos transmitir informações sobre o tempo que se seguiu ao retorno dos exilados. Em segundo lugar, o leitor moderno não deve perder de vista que os dois livros retratam os esforços e as limitações da comunidade que lutava para reconstruir a vida numa nação devastada.

 

É preciso reconhecer ainda que nenhuma reconstrução se faz da noite para o dia. Devemos estar atentos para perceber a presença de uma comunidade viva, decidida a retomar um projeto complexo de reconstrução nacional. Nenhum projeto verdadeiro está isento de riscos de retrocesso. A restauração é lenta e feita em etapas. Os resultados serão alcançados com dificuldades. Os desafios são muitos, exigem-se medidas corajosas sustentadas na fidelidade ao projeto Deus.

 

O que fica claro no projeto de reconstrução de Esdras-Neemias é que sua proposta não se restringia à preocupação meramente política ou nacional. O sucesso de seus trabalhos se deve também aos compromissos religiosos assumidos, simbolizados na restauração do culto no Templo, e no estudo da Escritura. Essa última assumiria uma função singular entre os judeus. Em Ne 8,1-11 somos informados sobre essa tarefa, a cargo do escriba Esdras: Esdras leu o livro da Lei de Deus, traduzindo (em aramaico) e explicando o seu sentido: assim podia-se compreender a leitura. Nascia então a atividade principal e mais antiga ligado ao estudo da Escritura: "explicar", "interpretar" e "atualizar". Esdras era um escriba, ou doutor da Lei, dedicado ao estudo e ao ensino da Palavra de Deus ao seu povo: "Tinha aplicado seu coração a perscrutar a Lei do Senhor, a praticar e a ensinar, em Israel, os estatutos e as normas" (Esd 7,10).

 

Esses dois homens influenciaram o comportamento dos judeus no campo religioso. Mas também estavam empenhados na tarefa de reorganizar as estruturas sociais e políticas para que o retorno se concretizasse. Era o sonho que se transformava em realidade!

 

Uma das marcas mais impressionantes de Esdras e Neemias foi a visão realista que tiveram sobre a situação vivida pelo povo. Dependiam, é claro, da ajuda divina, mas sabiam que sem seus esforços o sonho do retorno jamais seria concretizado.

 

Diferente de outros livros bíblicos mais populares, o leitor percebe nesses dois livros que as intervenções miraculosas e espetaculares de Deus são inexpressivas. Deus não deixou de ser misericordioso, muda-se apenas a forma humana de compreendê-la. Sua presença agora traz um novo modelo de viver a religião! A piedade nesse tempo, por exemplo, dá amostras da necessidade de novas exigências. A dedicação e o esforço humanos tornam-se condições imprescindíveis para firmar a relação com Deus.

 

Ficamos impressionados com o grau de realismo com que Esdras e Neemias tratam as situações de seu tempo. Promoveram reformas sem colocar em risco sua fidelidade à herança e cultura de seu povo. As situações exigiam novos modelos de lideranças. Era preciso ter um apurado senso de criatividade e imaginação, mostrar-se comprometido com a causa do povo, zelando pelo patrimônio religioso e social de Israel.

 

Ficamos surpreendidos pela forma fria, hostil e calculista com que lidavam com certos problemas: restrições aos casamentos com estrangeiros (Esd 9,1-2); o recenseamento (Ne 7,4ss); conspirações contra as lideranças (Ne 6,1ss). Esdras e Neemias tornaram-se modelos vivos de como os talentos, a criatividade e os esforços humanos podem contribuir para fazer sobreviver as tradições de um povo. Suas reformas pretendiam recuperar o que ainda era possível ser recuperado, a partir dos fragmentos de um passado de destruição. Queriam reorganizar, remodelar a sociedade e incentivar a comunidade a acreditar num futuro próspero e possível. Foi isso que fez com que o povo exilado pudesse retomar sua antiga condição de povo eleito e continuar a existir como nação no meio de povos hostis. As atividades de Esdras foram decisivas para a consolidação do judaísmo pós-exílico o judaísmo que se firmou sob os alicerces do Estudo da Lei e da Sinagoga. Jesus foi um judeu que herdou parte desse judaísmo e o transformou numa prática renovada (Mt 5,17).

 

O livro de Esdras aponta para o renascimento de uma comunidade depois da destruição sofrida. Um dos maiores responsáveis por esse ressurgimento foi sem dúvida a centralidade que as novas instituições iriam ocupar na luta pela sobrevivência da comunidade. Primeiramente, o estudo da Torah de Moisés, ou Pentateuco (que nós chamamos de Lei), tornou-se o centro em torno do qual praticamente toda a vida de Israel pôde ser reestruturada. A comunidade estava reintegrada na sociedade e na vida religiosa através da Lei mosaica. Segundo, relacionada à Lei estava a Sinagoga, instituição que determinou a prática e conduta religiosa dos judeus, inclusive no tempo de Jesus. Antigos costumes, festas religiosas e restrições foram reorganizados dentro das práticas e condutas de comportamentos. A importância da sinagoga não se deve ao uso do prédio em si, mas por ter se tornado um referencial da vida social e religiosa dos judeus até os dias atuais. Ambos, Torah e Sinagoga, foram os dois maiores pilares da vida judaica em cima das quais se construiu toda a existência dos judeus após o exílio (Esd 7,10; Nee 8,1ss).

 

Em resumo, a maior contribuição de Esdras foi depositar na Lei mosaica a centralidade da identidade de povo eleito. Esdras exercia a função de escriba, e vinha de família sacerdotal. Juntamente com Neemias, Esdras representava a ala ativa dos judeus empenhados na reconstrução do judaísmo. Para eles, os compromissos com o judaísmo passariam pela exigência de medidas de rupturas violentas, como se desfazer dos matrimônios mistos. Para Neemias, "casar-se com mulheres estrangeiras" trazia implicações culturais e religiosas abomináveis, e equivalia a "desposar a filha de um deus estrangeiro" (Esd 9,2).

 

As reformas de Esdras e Neemias, por isso, trouxeram profundos problemas que dificultaram a integração de minorias que se encontravam fora desse processo. Trata-se de grupos que resistiram bravamente e protestaram contra 'esse tipo de programa de "exclusão" criados. Ilustraremos esse assunto quando tratarmos dos livros Sapienciais, como Jô, Cântico e Kohelet; e de novelas bíblicas, como Jonas e Rute.

 

1.5 - "povo da terra/campo"

Antes do Exílio, “povo da terá” era o nome atribuído praticamente a todos os proprietários de terras na Palestina, fossem eles pequenos ou grandes. Depois do exílio, "povo da terra" ganha um tom pejorativo devido às alterações sofridas na relação entre fé e sociedade. Culturalmente, esse "povo" manteve estreitos laços com a terra, o campo e a nação de Israel.

 

No período da monarquia (antes do exílio), formava uma espécie de classe geral de proprietários de terras. Agiam como empregados do Rei, pois também participavam dos destinos do país. Em épocas de crises o "povo da terra" era um grupo que surgia para defender a legitimidade da dinastia de Davi (2Rs 11,14.18-20). Devido a esse fervor na defesa política da dinastia, o "povo da terra" se viu envolvido em questões religiosas centrais do judaísmo pós-exílico. É interessante, porém, notar que, desde o tempo do profeta Jeremias existia ataques constantes contra as instituições religiosas, dentre os quais inclui também os "povos da terra" (Jr 34,19; 37,2; 44,21). Por trás dessas críticas pode-se notar que o alvo tem três faces: os camponeses ricos que se escondiam por detrás da polícia (Jr 1,18), a propriedade privada que motivava a pobreza no campo e a elite governante. A partir do exílio, o "povo da terra" passou a representar os pequenos camponeses. Os grandes proprietários foram levados cativos, juntamente com as elites e lideranças do reino de Judá. O confronto essas duas classes foram por isso agravado mediante o retorno da classe dirigente a Israel Depois do exílio, e com o início da reconstrução do Templo, novamente os donos de terras desempenhariam importante papel. Afinal, foi a eles que se recorreu para angariar fundos para a construção do Templo (Ageu 2,4; Zc 7,5).

 

Com o retorno dos deportados agravaram-se, portanto, os conflitos no campo. Por um lado, os antigos donos queriam retomar suas propriedades. Por outro, aqueles que haviam permanecido na Palestina sentiam-se legítimos donos da terra. Mas a crise mais grave no campo ocorreu com os samaritanos. Acontece que os samaritanos se casaram com povos gentios, permitindo que povos estrangeiros adquirissem direitos sobre o solo judeu. Nesse tempo a Judéia, sendo colônia persa, era dependente da administração da Samaria. Essa ligação criou um impasse, além de fortes tensões. Os samaritanos eram acusados de "idólatras e separatistas" pelos judeus, pois lutavam pela construção de seu próprio santuário no Monte Garizim (centro religioso rival de Jerusalém). Tanto os samaritanos quanto o "povo da terra" entravam em constantes atritos com os recém-chegados da Babilônia. Aos poucos foi se formando um conflito generalizado entre essas classes sociais, que se tornariam rivais mais tarde.

 

Na época de Jesus, o "povo da terra" trazia um uso genérico, atribuído aos Galileus humildes, que eram indiferentes às leis ensinadas pelos escribas e fariseus. Normalmente era um termo pejorativo para dizer "ignorante" e "analfabeto".

 

2- ESCRITOS BÍBLICOS DO PRIMEIRO PERIODO PERSA: 538-445 a.C

Os escritos bíblicos, do tempo da dominação persa, podem ser classificados em dois períodos: o primeiro vai de 538 a 445, e o segundo corresponde aos anos 445 a 333 a.C. Na primeira fase a tradição sacerdotal continuou sua obra literária e redigiu parte do livro do Levítico (Lv 1-7) e, no mesmo período os capítulos de 11-16. São também dessa época os livros dos profetas Ageu, Zacarias (1-8), Isaías (56-66), Joel e diversos Salmos, 4; 10; 22; 23; 50; 77; 78; 83; 105-107; 126.

 

Levítico 1-7; 11-16: o desejo de comunhão com Deus. Esses capítulos do livro do Levítico foram escritos no período do exílio, por um grupo de sacerdotes cujos escritos foram chamados de Tradição Sacerdotal. Esse grupo continuou a colocar por escrito tradições muito antigas sobre o ritual dos sacrifícios. Os capítulos de 1-7 falam dos diversos tipos de sacrifícios que eram praticados desde o início da história do povo. Os sacrifícios não são exclusividade dos israelitas, pois em todas as religiões são uma forma de entrar em comunhão com a divindade. Na tradição de Israel, dividem-se em três categorias: os sacrifícios de oferta, os sacrifícios de comunhão e os sacrifícios de expiação.

 

Os sacrifícios de oferta: são os holocaustos de animais[4] (Lv 1), a oferta de vegetais, produtos da terra (Lv 2), que inclui primícias (Lv 2,12.14; Dt 26,1-11); 1º- Os sacrifícios de comunhão, que são também chamados sacrifício da paz ou da aliança (Lv 3); 2º- os sacrifícios de expiação: são os oferecidos para compensar pecados e os de reparação (45); 3º- O grupo sacerdotal enfatiza o papel reconciliador dos sacrifícios, sobretudo a partir do exílio, quando Israel adquiriu uma consciência mais viva da força do pecado e da necessidade de reconciliação.

 

Os capítulos de 11-16 do livro do Levítico são desse período e tratam das regras referentes ao puro e impuro, as quais se baseiam em princípios muito antigos. Puro é tudo aquilo que pode aproximar-se de Deus. Impuro é tudo aquilo que se torna impróprio para o culto a Deus e dele é excluído. Os animais puros são os que podem ser oferecidos a Deus e os impuros lhe são desagradáveis. Inclui também o elenco de diversas impurezas que impedem o ser humano de entrar em contato com Deus, como: o consumo de alimentos impuros (Lv 11), a impureza da mulher depois do parto (Lv 12), a lepra (Lv 13-14), a impureza sexual do homem ou da mulher (Lv 15) e por fim apresenta o grande Dia da Expiação dos pecados (a festa judaica do Yom Kippur), em Lv 16.

 

Ageu: a leitura messiânica da história. O profeta Ageu atuou pouco, provavelmente de agosto a dezembro de 520 a.C., no período do rei Dario. O livro de Esdras apresenta Ageu e Zacarias como irmãos profetas, filhos de Ado. Falaram em nome do Senhor aos judeus que estavam na Judéia e em Jerusalém (Esd 5,1; 6,14). Ageu deixou escrito o livro que leva seu nome, e retratou nele a situação dos primeiros tempos do pós-exílio e o incentivo ao povo para retomar a reconstrução do Templo (Ag 1,1-15), que havia sido interrompida pela oposição dos samaritanos (Esd 4,1-5).

 

Ageu presenciou a disputa pelo poder depois da morte de Cambise e os primeiros anos de instabilidade política de Dario I, que se refletiram sobre Jerusalém. Ele tentou interpretar para o povo os sinais dos tempos: a pobreza e as más colheitas são uma censura à morosidade espiritual dos repatriados. Dá uma "sacudida" no povo que parece estar dormindo, só preocupado consigo mesmo (Ag 1,9), e não se reanima a reconstruir a Casa do Senhor, porque só assim as bênçãos se multiplicarão e o povo poderá se abrir para a salvação definitiva.

 

A instabilidade das nações já é prelúdio do Dia do Senhor (Ag 2,21-22). A salvação está próxima, pois ele viu em Zorobabel o portador das esperanças messiânicas. Ageu via realizar-se duas expectativas do povo: a reconstrução do Templo e o retomo do rei Messias descendente de Davi.

 

Zacarias 1-8: a nova comunidade de Israel. O profeta Zacarias aparece contemporaneamente ao profeta Ageu. Sua primeira intervenção foi feita provavelmente de outubro a novembro de 520 a.C. (Zc 1,1), um mês antes do último oráculo de Ageu (Ag 2,10.20). Sua atividade prolongou-se, no mínimo, até o ano 518 a.C. (Zc 7,1), três anos antes da reinauguração do novo Templo, em 515.

 

O livro é formado por oito narrativas de visões, dois oráculos e algumas pregações. Elas são redigidas em primeira pessoa e descrevem antecipadamente a restauração definitiva da comunidade de Israel. As primeiras três visões (os cavaleiros, os chifres, os ferreiros e o agrimensor) apresentam as fases preparatórias da restauração messiânica. As duas visões centrais (a veste de Josué, o lampadário e as oliveiras, isto é, "dois Ungidos") dizem respeito ao governo da nova comunidade. As três últimas visões (o livro, a mulher no alqueire e os carros) evocam as condições da restauração final. Dois oráculos são em favor do "Rebento" messiânico, Zorobabel, mesmo que seu lugar ao lado do sumo sacerdote Josué seja modesto (Zc 3,8-10 e 4,6b-l0a).

 

As visões e os oráculos estão dentro de uma moldura de textos identificados como pregações, que foram acrescentados posteriormente, talvez pelos discípulos do profeta (Zc 1,1-6; 7,4-14), e na forma de promessas acerca do futuro (Zc 8,1-17.20-23).

 

No pós-exílio, com a ausência do rei, o poder vai concentrar-se nas mãos do sumo sacerdote (Zc 6,9-15); a lei e os sacrifícios foram se impondo cada vez mais como sinais da união do povo. A comunidade vai se fechando em si mesma (Esd 6,21). O Templo, o sumo sacerdote, o culto e a lei vão dando as feições da religião que chegou até Jesus.

 

Isaías 56-66: Deus é fonte segura de salvação. Já tivemos oportunidade de conhecer o Primeiro Isaías, formado pelos capítulos 1-39; seu autor é desconhecido e anterior ao exílio. Os capítulos 40-55 pertencem ao Segundo Isaías do tempo do exílio, e os capítulos finais de 56-66 são atribuídos ao Terceiro Isaías do pós-exílio, período persa. Mesmo assim um grande número de estudiosos admite que algumas partes da obra foram introduzidas posteriormente, entre elas os dois poemas de Isaías (63,1-6 e 63,7-64,11).

 

O Terceiro Isaías enfrentou alguns problemas diante da realidade que encontrou em Judá. Queria reconstruir novamente um povo unido e santo, e se deparou com uma profunda crise de esperança, porque o Templo continuava apenas com a pedra fundamental; os muros estavam destruídos e havia conflitos externos com os samaritanos e internos com os que estavam na terra. Essa situação gerou grande desânimo. Isaías, por um lado, denuncia o pecado como obstáculo à vinda da salvação e, por outro, reafirma a fidelidade de Deus como fonte segura de salvação.

 

O profeta quer acabar com os idólatras que buscam apoio nos falsos deuses e se entregam às práticas como sacrifícios humanos, prostituição sagrada, uso de animais impuros para o sacrifício (65,4; 66,3.l7), necromancia (65,4), veneração de Moloc (57,9) de Meni e de Gad, pretensas divindades (65,11). Denuncia a impotência dos falsos deuses, incapazes de salvar, e anuncia o poder do verdadeiro Deus, cujo julgamento é inevitável.

 

O rompimento da aliança com Deus implica automaticamente o rompimento com os irmãos: governantes praticando extorsão (56,10-57,2), brutalidades, exploração recíproca, violações da justiça etc. Isaías denuncia esses delitos e mostra a incompatibilidade deles com um culto que se considera autêntico (58).

 

Se os israelitas eram tratados com tanto menosprezo, como não serão tratados os descendentes de nacionalidades estrangeiras? Isaías apresenta posturas diferentes: o aniquilamento das nações que se obstinam no mal (63,3-6; 66,15-16.24); o serviço das nações a Jerusalém (60,3-11.13-17); a participação do estrangeiro como povo de Deus (56,3-7; 66,21).

 

Diante de Deus fiel para amar, poderoso para salvar, infalível para julgar, todos os homens são convidados a acolhê-lo; para aqueles que o acolhem, haverá motivo de alegria; e para aqueles que o rejeitam, haverá desgraça. Para Isaías, acolher a Deus significa acolher o outro como irmão; amar a Deus significa amar o próximo e vice-versa. Moral e religião são inseparáveis.

 

Is 60,1-6: AMBIENTE

Aos capítulos 56-66 do Livro de Isaías, convencionou-se chamar "Trito-Isaías. Trata-se de um conjunto de textos cuja proveniência não é totalmente consensual... Para alguns, são textos de um profeta anônimo, pós-exílico, que exerceu o seu ministério em Jerusalém após o regresso dos exilados da Babilônia, nos anos 537/520 a.C.; para a maioria, trata-se de textos que provêm de diversos autores pós-exílicos e que foram redigidos ao longo de um arco de tempo relativamente longo (provavelmente, entre os sécs. VI e V a.C.). De qualquer forma, estamos na época a seguir ao Exílio e numa Jerusalém em reconstrução... As marcas do passado ainda se notam nas pedras calcinadas da cidade; os judeus que se estabeleceram na cidade são ainda poucos; a pobreza dos exilados faz com que a reconstrução seja lenta e muito modesta; os inimigos estão à espreita e a população está desanimada... Sonha-se, no entanto, com esse dia futuro em que vai chegar Deus para trazer a salvação definitiva ao seu Povo. Então, Jerusalém voltará a ser uma cidade bela e harmoniosa, o Templo será reconstruído e Deus habitará para sempre no meio do seu Povo.


O texto que nos é proposto é uma glorificação de Jerusalém, a cidade da luz, a "cidade dos dois sóis" (o sol nascente e o sol poente: pela sua situação geográfica, a cidade é iluminada desde o nascer do dia até ao pôr do sol).

 

MENSAGEM: Inspirado, sem dúvida, pelo sol nascente que ilumina as belas pedras brancas das construções de Jerusalém e faz a cidade transfigurar-se pela manhã (e brilhar no meio das montanhas que a rodeiam), o profeta sonha com uma Jerusalém muito diferente daquela que os retornados do Exílio conhecem; essa nova Jerusalém levantar-se-á quando chegar a luz salvadora de Deus, que dará à cidade um novo rosto. Nesse dia, Jerusalém vai atrair os olhares de todos os que esperam a salvação. Como consequência, a cidade será abundantemente repovoada (com o regresso de muitos "filhos" e "filhas" que, até agora, assustados pelas condições de pobreza e de instabilidade, ainda não se decidiram a regressar); além disso, povos de toda a terra - atraídos pela promessa do encontro com a salvação de Deus - convergirão para Jerusalém, inundando-a de riquezas (nomeadamente incenso, para o serviço do Templo) e cantando os louvores de Deus.

 

Joel: o povo novo terá em Jerusalém um paraíso. Joel, na língua hebraica, significa "o Senhor é Deus". Pouco conhecemos sobre o profeta, apenas que ele é filho de Fatuel (Jl 1,1). O livro que leva o seu nome normalmente é situado no pós-exílio, e é carregado de características apocalípticas. É pequeno, traz apenas quatro capítulos e pode ser apresentado em duas partes. A primeira apresenta a invasão destruidora dos gafanhotos. Há diversas interpretações dessa calamidade, mas todas afirmam que é um sinal de Deus chamando o povo para uma liturgia penitencial. Outros acham que além dos gafanhotos, fala-se da seca prolongada, da invasão militar e da manifestação do "Dia do Senhor"! A situação provocou uma liturgia penitencial de lamentação e de súplica (1,2-2,17), à qual o Senhor respondeu prometendo o fim da praga e um tempo de abundância (2,18-27). A segunda parte fala do Dia do Senhor, quando ele julgará as nações e com Israel triunfará sobre os seus inimigos e sua vitória será definitiva (3-4). Há uma unidade no vocabulário, no estilo e na temática. "O Dia do Senhor" aparece nas duas partes: 1,15; 2,1- 2.10-11; 3,3-4; 4,14.

 

A catástrofe da praga dos gafanhotos mostra que a calma terminou e tudo está recomeçando, mas dessa vez para levar à salvação definitiva. Israel será purificado e as nações julgadas (2,10-17; 4,1-3). A conversão interior (2,13) obtém o perdão e permite a efusão do Espírito. Ele faz nascer um povo novo que vive em Jerusalém (2,27; 4,17), transformada num paraíso (4,18-21).

 

Salmos 4; 10; 22; 23; 50; 77; 78; 83; 105-107; 126. Muitos salmos apresentam entre si semelhanças de estrutura, de situações e de temáticas; isto não significa que tenham necessariamente surgido em um determinado contexto, época e situações. É muito difícil ter certeza, porque eles retratam situações humanas que se repetem em contextos diversos, seja em nível pessoal, seja em nível coletivo. Para facilitar o estudo dos salmos, podemos classificá-los em três grandes grupos: salmos de louvor; salmos de pedido de socorro, de confiança e de ação de graças; e salmos de instrução. Os salmos que provavelmente surgiram nesse período pertencem ao segundo e terceiro grupos.

 

Os salmos de pedido de socorro, de confiança e de ação de graças. Entre os salmos de pedido, podem ser colocados os salmos 22, 83 e 126. O salmo 22 é uma prece individual de lamentação de um inocente perseguido: "Cercam-me cães numerosos, um bando de malfeitores me envolve, como para retalhar minhas mãos e meus pés" (Sl 22,17). Apesar de toda a dor e sofrimento, o salmista termina com a ação de graças pela libertação alcançada, porque Deus é fiel àqueles que o temem (vv. 23-27). É um poema muito próximo do servo sofredor de Is 52,13-53,12. Considerado um salmo messiânico, foi o salmo rezado, no seu início, por Jesus na cruz (Mt 27,46).

 

Os salmos 77, 83 e 126 são orações coletivas de pedido de socorro contra os povos vizinhos, inimigos de Israel, e a alegria da volta do exílio. Esse retorno prefigurava a chegada da era messiânica.

 

Os salmos 4 e 23 são de confiança e gratidão a Deus, porque só dele vem a felicidade. O salmo 23 é muito conhecido e apresenta Deus como o bom Pastor e hóspede, que oferece o banquete messiânico.

 

Os salmos 10 e 107 são orações individuais de ação de graças pelos benefícios recebidos. O fiel subia ao Templo acompanhado de parentes e amigos para cumprir as promessas. O salmo 107 apresenta um hino de ação de graças, pelos benefícios da Providência, inspirado no Segundo Isaías. O salmo fala do êxodo (vv. 4-9), da volta do exílio (vv. 10-16), do socorro divino aos que sofrem (vv. 17-22) e aos que viajam no mar (vv. 23-32).

 

Salmos de instrução. Os salmos de instrução têm em comum a preocupação de ensinar mediante os fatos da história. Trazem exortações à maneira dos profetas, admoestações litúrgicas e reflexões sapienciais. Os salmos 78, 105 e 106recordam longamente a história sagrada, os patriarcas, a Promessa e a Aliança que Deus fez com os antepassados. Recordam também o êxodo precedido e acompanhado por maravilhas, a marcha no deserto, a revelação do Sinai e a posse da terra como herança. Os salmistas não apenas recordam os fatos, mas revelam seus significados e convidam a traduzi-los em atitudes práticas, como o ensina o Deuteronômio.

 

O salmo 50 traz o estilo das exortações proféticas. Deus vem para julgar Israel e revela-se contrário ao formalismo dos sacrifícios unido ao desprezo pelos mandamentos.

 

3- ESCRITOS BIBLICOS DO SEGUNDO PERIÓDO PERSA: 445-333 a.C

Temos apenas os documentos do Primeiro Testamento que vão aproximadamente do período histórico de Neemias (445 a.C.) e Esdras (398 a.C.) até Antíoco Epífanes IV (175-164 a.C.). Este é um período muito importante para a formação da Bíblia como livro.

 

Rute: a avó estrangeira do rei Davi. Há muita dificuldade para situar o livro de Rute no seu tempo. Alguns o colocam bem antes do exílio, porque o interpretam como consolidação das leis tribais. Outros o colocam no pós-exílio, o que parece corresponder melhor à teologia que o livro traz: o universalismo, o sentido do sofrimento e a concepção de retribuição que havia nesse período. Mesmo que o livro de Rute não seja polêmico, ele faz uma crítica à postura de Neemias e Esdras, que foram contra o matrimônio de israelitas com mulheres estrangeiras (Ne 13 e Esd 9). O autor do livro evoca o exemplo da avó de Davi, uma moabita estrangeira, modelo de piedade. Rute é um protesto contra a discriminação da mulher estrangeira viúva e pobre. Quer reforçar os princípios da vida tribal, restaurando os relacionamentos familiares baseados na fraternidade, na partilha do pão, da terra e na descendência para todos. O livro de Rute questiona o tratamento dado à mulher no tempo de Neemias e Esdras.

 

Contesta também as leis do Deuteronômio (Dt 23,4-7) e confirma o profeta Malaquias (Mt 2,1416), que se opõe à separação conjugal de judeus com as esposas estrangeiras exigida por Esdras (Esd 9). O livro traz um belo testemunho dos direitos e deveres do resgatador (go' el) e a aplicação da lei do levirato.

 

Jonas: a Palavra de Deus é para todos. Jonas, na língua hebraica, significa "pomba". Ele recebeu a missão de anunciar a Palavra de Deus ao povo de Nínive, mas recusou-se e pegou o barco para Társis. Diante de uma forte tempestade ele é jogado ao mar, engolido por um grande peixe e vomitado numa praia de Nínive. Faz pregações na cidade e toda a população se penitencia e se converte a Deus. É uma espécie de novela bíblica, que tem por finalidade mostrar que a Palavra de Deus, por um lado, é eficaz, apesar da resistência e das dificuldades do profeta e, por outro, dirige-se a todos, não só ao povo de Israel.

 

Jonas, de certa forma, é um protesto contra Esdras, que aprisiona a Palavra de Deus e quer determinar os destinatários da salvação: os puros, aos quais pertence apenas o povo eleito e escolhido por Deus. Nínive é a capital da Assíria, que havia destruído o reino do Norte. Eram considerados inimigos do povo de Israel e, consequentemente, de seu Deus. O livro de Jonas reflete o contexto dessa época, atuando a comunidade se fecha em si mesma esquecendo-se de que deve ser testemunha do Senhor e luz das nações (Is 60,1-3).

 

CONTEXTO

O “Livro de Jonas” foi, muito provavelmente, escrito na segunda metade do séc. V a.C., entre 440 e 410 a.C. Conta-nos uma história bonita e edificante, mas que provavelmente não é real. Trata-se de um texto que poderíamos classificar no género “ficção didática”. Dito de outra forma: o Livro de Jonas não é uma coleção de oráculos proféticos proferidos por um homem chamado Jonas, nem sequer um relato de caráter histórico; mas é uma obra de ficção, escrita com a finalidade de ensinar e educar.

Estamos nos anos posteriores ao Exílio na Babilónia. A política dos líderes judaicos – especialmente Esdras e Neemias – favorecia o nacionalismo e o fechamento do Povo de Deus aos outros povos. Por um lado, sublinhava-se o facto de Judá ser o Povo Eleito de Deus, o povo preferido de Deus, um povo diferente de todos os outros; por outro, considerava-se que todos os outros povos eram inimigos de Deus, odiados por Deus, que deviam ser inapelavelmente condenados e destruídos por Deus.

Reagindo contra a ideologia dominante, o autor do “Livro de Jonas” apresenta Javé como um Deus universal, cuja bondade e misericórdia se estendem a todos os povos, sem exceção. A escolha de Nínive como a cidade destinatária da ação salvadora de Deus não é casual: Nínive, situada na margem oriental do rio Tigre, capital do império assírio a partir de Senaquerib, tinha ficado na consciência dos habitantes de Judá como símbolo do imperialismo e da mais cruel agressividade contra o Povo de Deus (cf. Is 10,5-15; Sof 2,13-15).

É precisamente esta cidade que Javé quer salvar. Por isso, chama Jonas e convida-o a ir a Nínive pregar a conversão. No entanto, Jonas, como os outros seus contemporâneos, não está interessado em que Javé perdoe aos opressores do Povo de Deus e recusa-se a cumprir o mandato divino. Em lugar de se dirigir para Nínive, no Oriente, toma o barco para Társis, no Ocidente. Na sequência de uma tempestade, Jonas é atirado ao mar e engolido por um peixe. Mais tarde, o peixe vai depositá-lo em terra firme. Jonas é, de novo, chamado por Deus para a missão em Nínive.

 

MENSAGEM

O texto começa com Jonas a receber o segundo mandato de Javé para ir a Nínive. Jonas aceita, desta vez, a missão, vai a Nínive e anuncia aos ninivitas a destruição da sua cidade. Contra todas as expectativas, os ninivitas escutam-no e fazem penitência. Constatando a boa vontade dos ninivitas e a forma como eles acolhem o convite à conversão, Deus desiste do castigo.

 

A primeira lição da “parábola” é a da universalidade do amor de Deus. Deus ama todos os homens, sem exceção, e sobre todos quer derramar a sua bondade e a sua misericórdia. Mais: Deus ama mesmo os maus, os injustos e opressores e até a esses oferece a possibilidade de salvação. Deus não ama o pecado, mas ama os pecadores. Ele não quer a morte do pecador, mas que este se converta e viva.

 

A segunda lição da nossa “parábola” brota da resposta dada pelos ninivitas ao desafio de Deus. Ao descrever a forma imediata e radical como os ninivitas “acreditaram em Deus” e se converteram “do seu mau caminho” (ao contrário do que, tantas vezes, acontecia com o próprio Povo de Deus), o autor sugere, com alguma ironia, que esses pagãos, considerados como maus, prepotentes, injustos e opressores são capazes de estar mais atentos aos desafios de Deus do que o próprio Povo eleito. Desta forma, o autor desta história denuncia uma certa visão nacionalista, particularista, exclusivista e xenófoba, que estava em moda na sua época entre os seus contemporâneos. Desafia o seu Povo a aceitar que Javé seja um Deus misericordioso, que oferece o seu amor e a sua salvação a todos os homens, até aos maus. Desafia, ainda, os habitantes de Judá a assumirem a mesma lógica de Deus – lógica de bondade, de misericórdia, de perdão, de amor sem limites – e a não verem nos outros homens inimigos que merecem ser destruídos, mas irmãos que é preciso amar.

 

Uma terceira lição resulta do chamamento de Jonas e da forma como o profeta responde ao apelo de Deus. Lembra-nos que Deus, para intervir no mundo, conta connosco. Por isso, Ele chama-nos e envia-nos. É através de nós, seus profetas, que Ele fala aos homens e lhes aponta os caminhos que conduzem à Vida. Se nós não aceitarmos a missão, estaremos a defraudar o projeto de Deus e a impedir que a salvação de Deus chegue aos homens e mulheres que caminham ao nosso lado. O profeta – aquele que Deus chama a ser sua voz no mundo – não tem o direito de se esconder, de se demitir, de se afastar quando Deus precisa dele. Quando o profeta ousa vencer os seus medos e resolve comprometer-se na missão, Deus fará coisas extraordinários, apesar da fragilidade e da debilidade do mensageiro.

 

INTERPELAÇÕES

  • Nesta catequese que nos é oferecida pelo autor do Llivro de Jonas tomemos nota, antes de mais, daquilo que se sugere sobre Deus. Segundo o nosso catequista, Deus ama todos os homens e mulheres, sem exceção e de forma incondicional. Ele ama até os maus e os opressores; no seu coração de Pai, todos têm lugar. Esta lógica exclui, naturalmente, a eliminação do pecador: Deus não quer a morte de nenhum dos seus filhos; o que quer é que eles se convertam e percorram, de mãos dadas com Ele, o caminho que conduz à Vida plena, à felicidade sem fim. É este Deus que somos chamados a descobrir, a aceitar e a amar. O nosso caminho é mais leve e mais feliz quando sabemos que, seja qual for a amplitude dos nossos fracassos, o nosso Deus nunca nos descartará.

 

  • Nós temos, por vezes, alguma dificuldade em aceitar esta lógica de Deus. Em certas circunstâncias, preferíamos um Deus mais duro e exigente, que se impusesse decisivamente aos maus, que frustrasse os seus projetos de violência e de injustiça, que não desse qualquer hipótese àqueles que ameaçam o nosso bem-estar e a nossa segurança, que condenasse ostensivamente aqueles que não partilham a nossa visão da fé… A Palavra de Deus que hoje nos é servida apresenta-nos um Deus de coração misericordioso, que escancara as portas a todos e que ama até aqueles que consideramos maus. Deus deve converter-se à nossa lógica, ou seremos nós que devemos converter-nos à lógica de Deus? Diante desse Deus que nunca fecha a porta a ninguém, fará algum sentido olharmos para o mundo que está para além das portas das nossas igrejas como um mundo que nos ameaça e diante do qual temos de assumir uma atitude defensiva e condenatória?

 

  • O texto sugere também que aqueles que consideramos “maus” estão, por vezes, mais disponíveis para acolher os desafios de Deus e para escutar o seu chamamento, do que os “bons”. Muitas vezes, aqueles que têm comportamentos “certinhos”, religiosamente corretos, podem estar de tal forma instalados nas suas certezas absolutas, que já não tenham espaço para se deixarem questionar por Deus. Teremos disponibilidade para pôr em causa as nossas seguranças e as nossas certezas inabaláveis para nos deixarmos desafiar pela contínua novidade de Deus e pelo seu sempre renovado convite à conversão?

 

  • Há também neste texto uma severa denúncia do racismo, da exclusão, da marginalização, da xenofobia. A Palavra de Deus alerta-nos para a necessidade de ver em cada pessoa que caminha ao nosso lado um irmão, independentemente da sua raça, da cor da sua pele, da sua cultura, das suas diferenças, ou até da sua bondade ou maldade. Como vemos e como acolhemos os nossos irmãos imigrantes que a vida trouxe até nós e que colaboram connosco na construção do mundo: como inimigos, culpados por todos os males do universo, ou como irmãos por quem somos responsáveis e que Deus nos convida a acolher e a amar? Como nos situamos face aos nossos irmãos diferentes – pela raça, pela cultura, pelos valores, pelos hábitos de vida: como gente que nos incomoda e que temos de afastar para o mais longe possível, ou como irmãos que nos podem ajudar a questionar as nossas cómodas certezas, as nossas seguranças absolutas, os nossos preconceitos inabaláveis?

 

  • Jonas, o homem que Deus chamou, mas que procurou evitar comprometer-se na missão, convida-nos a reflectir sobre a resposta que temos dado ao chamamento de Deus. O nosso comodismo, o nosso bem-estar, os nossos medos, o nosso egoísmo, a nossa miopia, alguma vez nos impediram de acolher o chamamento de Deus e de abraçar a missão que Deus nos entregou? E temos consciência de que ignorar os desafios de Deus é, em boa parte, falhar o sentido da nossa vida?

 

Provérbios 1-9: a sabedoria vem de Deus. O livro dos Provérbios pertence à literatura sapiencial. O autor identifica-se com Salomão, filho de Davi, rei de Israel. Isso não significa que seja ele, de fato, seu autor, mas lhe é atribuída a autoria para dar valor e sacralizar a obra, porque Davi era o ungido do Senhor, o portador da Aliança e das Promessas. Os Provérbios não tratam desses assuntos, mas o Senhor é o ponto de partida da experiência moral e religiosa que eles querem transmitir.

 

O livro é formado por nove coletâneas. A nós interessa a primeira, que surgiu nesse segundo período da dominação persa (Pr 1-9). Ela traz as recomendações da sabedoria: exortações do pai educador que previne o filho contra as más companhias; ensina como adquirir e escolher a sabedoria (1,20-33; 8,22-35). No final da coletânea o autor apresenta a antítese da sabedoria: a insensatez (Pr 9,1-6; 9,13-18).

 

Jó. O livro de Jó também faz parte da literatura sapiencial. Já tivemos a oportunidade de conhecer uma parte do livro que surgiu como escrito provavelmente no período da monarquia unida. É o início e o final do livro (1,1-2,13 e 42,7-17) que são escritos em prosa, com uma unidade interna e teológica. A parte em poesia constitui O centro da obra e traz outra visão teológica (3,131,40; 38,1-42,6), que melhor corresponde o período do pós-exílio. Depois da catástrofe de 587 a.C., os judeus exilados na Babilônia tinham perdido tudo. Viveram, então, profunda crise de fé no poder e na justiça de Deus.

 

Alguém que conhecia a história de Jó teria se servido dela para animar os exilados na espera paciente da justiça de Deus, pois no livro de Ezequiel ele é apresentado como exemplo de justiça (Ez 14,14.20). O autor compôs os poemas (3,1-31.40;38,1-42,6) com finalidade pastoral e profética, inspirando-se em Ezequiel, que o havia precedido.

 

No livro, Jó é um herói que sofria uma série de provações, e afirmava não merecê-las. Três de seus amigos e Eliú discutiam com ele sobre o valor da vida, da justiça humana e divina (31,35-37). É um diálogo entre quatro pessoas: em três ciclos de discursos (3-14; 15-21; 22-27). Todos eles defendem a tese tradicional da retribuição terrestre: se Jó está sofrendo é porque pecou; ele pode ser justo aos seus próprios olhos, mas aos olhos de Deus, não.

 

Jó afirma sua inocência e descreve a injustiça que gera o sofrimento dos pobres (Jó 20 e 24), e reivindica o direito de ser reconhecido publicamente na sua inocência. Mas agindo dessa forma ele acusa o deus da teologia da retribuição como responsável pelo seu sofrimento. O poeta serve-se do mistério da dor humana para sondar o mistério de Deus.

 

Nesse momento entra Eliú, um quarto personagem que contesta Jó e seus amigos, e tenta justificar a maneira de Deus agir (32-37). Ele é interrompido pelo próprio Deus que se revela a Jó em urna teofania. Os discursos de Deus são um prolongado questionamento a Jó: "Onde estavas, quando lancei os fundamentos da terra? Dize-me, se é que sabes tanto. Conheces as leis dos céus, determinas o seu mapa na terra? (38,4.33). Acaso é sob tua ordem que a águia remonta o voo e constrói seu ninho nas alturas?" (39,27).

 

As perguntas continuam. O que o autor quis dizer com elas? Se o ser humano não é capaz de compreender os mistérios da natureza criada, muito menos será capaz de entender os desígnios de Deus. Jó responde a Deus: "Eis que falei levianamente: que poderei responder-te? Porei minha mão sobre a boca; falei uma vez, não replicarei; duas vezes, nada mais acrescentarei" (Jó 40,5). Deus faz um segundo discurso de seu domínio sobre as forças do mal e Jó por fim conclui: "conhecia-te só de ouvido, mas agora viram-te meus olhos" (Jó 42,5). Na experiência do sofrimento Jó faz a experiência do encontro com o Deus verdadeiro. O poema termina com um ato de fé na bondade e santidade infinita de Deus que ultrapassa a nossa capacidade humana de entender os seus desígnios (42,1-6).

 

Cântico dos Cânticos. O livro do Cântico dos Cânticos apresenta em forma de poemas o amor humano entre dois jovens que se apaixonam, se unem e se perdem, se buscam e por fim se encontram. O amado é chamado de "rei" (1,4.12) e Salomão (3,7.9), e a amada de "Sulamita" (7,1). Houve quem quisesse colocar a redação do livro no tempo de Salomão ou pouco depois. Porém o estilo e a linguagem situam a obra no período persa, e alguns até o colocam no período helenista, mais tarde ainda. O livro do Cântico dos Cânticos apresenta três grandes temas salvíficos: 1) a gênesis do amor humano; 2) o êxodo/exílio como superação das dificuldades para o encontro com a terra (amado/a); 3) a redenção da amada (isto é, o povo de Israel).

 

Diversas interpretações foram dadas ao Cântico dos Cânticos: natural, mítica e mística ou alegórica. A interpretação natural descreve a história do amor humano entre um homem e uma mulher. A mítica retrata histórias dos deuses e a mística ou alegórica evoca o amor entre Deus e seu povo; o primeiro casal humano; o amor de Cristo pela Igreja; o amor entre Cristo e a pessoa humana.

 

O livro do Cântico dos Cânticos, situado na época persa, traz uma nova compreensão da sua mensagem. Ele faz um protesto contra a marginalização da mulher, sobretudo a partir de Neemias, Esdras e do grupo sacerdotal que elaborou as leis de pureza. A resistência e a valorização da mulher cresceram nesse período em que sua marginalização era mais forte. A jovem se apresenta in- dependente, corajosa, enfrenta os guardas da cidade (Ct 3,1-4; 5,2-8), o rival que a persegue (Ct 8,11-12) e os irmãos que a querem proteger (Ct 8,8-10). A obra ressalta a dignidade da mulher, independentemente de ela ser mãe ou não.

 

4- UNIAO DAS TRADICÓES JAVISTA, ELOISTA, DEUTERONOMISTA E SACERDTAL (JEDP)[5]

Já tivemos possibilidade de conhecer as quatro principais tradições que formam de modo especial os cinco primeiros livros da Bíblia, a Torá: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Esses livros sofreram acréscimos, ampliações, reinterpretações e repetições em seus textos e foram concluídos nessa época, formando o atual Pentateuco. A obra começou a ser escrita muito antes. Vamos fazer uma rápida retrospectiva das quatro principais tradições que integraram o Pentateuco: Javista, Eloísta, Deuteronomista e Sacerdotal.

 

No estudo sobre a monarquia unida, por volta do ano 1000 a.C., vimos a Tradição Javista nos escritos da época. Muitos deviam integrar essa escola. Seus autores mostraram um interesse particular pelas narrativas patriarcais; as promessas, a páscoa e as bênçãos. Mais adiante, por volta do ano 900 a.C., surgiu um segundo grupo, no reino do Norte, identificado como Tradição Eloísta. Seu interesse maior é o tema da Aliança.

 

Mais tarde, por volta do ano 722 a.C., entre os escritos do exílio em Judá, também no reino do Norte,cencontramos o início da Tradição Deuteronomista, que é o primeiro núcleo do Deuteronômio. Seu interesse maior é a questão da terra e da monarquia. Por fim a Tradição Sacerdotal, que surgiu durante o exílio na Babilônia, e cujo interesse maior eram os temas relacionados às leis, genealogias, cifras etc.

 

A fusão das quatro tradições, que formam os cinco livros do Pentateuco, foi atribuída ao grupo sacerdotal, especialmente Esdras, embora seja difícil afirmar isso com toda a certeza. No seu conjunto, o Pentateuco reflete a estrutura religiosa e social de Israel, desde os patriarcas e Moisés até Esdras que, provavelmente, o conclui.

 

Salmos 19,8-15; 85; 96-98; 113; 116; 118; 119. Esses salmos refletem alguns contextos e preocupações desse período. Os salmos 19,8-15 e 119 são uma exaltação à Lei de Deus. A Lei é apresentada nos seus diversos sinônimos: testemunho, preceito, estatuto, mandamento, promessa, palavra, norma, caminho. Porém, deve ser entendida num sentido mais lato como ensinamento revelado, assim como os profetas o transmitiram.

 

O salmo 85 promete aos repatriados a paz messiânica, anunciada por Isaías e Zacarias. Os salmos 96-98 exaltam a Deus como o rei e juiz triunfante. Os dois últimos são hinos escatológicos. Neles se encontram muitas referências a salmos anteriores e ao Terceiro Isaías. No livro dos salmos eles foram agrupados pela sua afinidade universalista e celebram com entusiasmo o Deus entronado, rei e juiz de Israel, Senhor dos povos.

 

Os salmos 113, 116 e 118 iniciam o hallel (isto é, hino de louvor) a Deus. Esses salmos eram recitados pelos judeus nas grandes festas, principalmente na refeição pascal. Exaltam o nome do Senhor que "ergue o fraco da poeira e tira o indigente do lixo, fazendo-o sentar-se com os nobres, ao lado dos nobres do seu povo [...]". A ação de graças continua nos lábios da comunidade, representada nos diversos grupos que em procissão entravam no Templo. É provável que fossem usados na liturgia para a festa das Tendas, à qual se referem Ne 8,13-18; Esd 3,4; Zc 14,16; Ex 23,14.

 

Escritos sobre o período. Alguns escritos são desse período e retratam sua realidade. É o caso do livro de Rute. Já falamos sobre a temática que o livro apresenta em relação à mulher estrangeira, viúva e sem filhos. É uma pequena história edificante que ressalta o cumprimento das leis na tradição judaica do resgatador e do levirato.

 

Esdras e Neemias atuam no período persa, como aparece nos seus escritos, mas os livros que levam seus nomes foram escritos provavelmente depois, no período da dominação grega, como veremos no próximo estudo.

 

Os capítulos 40-48 do livro de Ezequiel apresentam visões sobre a cidade futura, onde viverá o futuro povo escatológico. Esses capítulos retratam, sim, as visões do profeta, mas talvez não nos seus detalhes. Elas teriam sido acrescentadas pelos seus discípulos nesse segundo período persa.

 

Conclusão

O período persa destacou-se pelos seus projetos de reconstrução da Judéia, de modo especial de Jerusalém. Estes, sem dúvida, reacenderam a alegria e as esperanças nos exilados de recomeçar a vida na sua própria terra. Um sonho muito difícil de ser concretizado. A destruição das cidades da Judéia, do Templo, de Jerusalém e de suas muralhas deu-se no ano 587/6. Sua reconstrução foi lenta e difícil, à custa de muito sacrifício. Na verdade, atrás dos projetos de reconstrução escondiam-se os projetos expansionistas da Pérsia, que desejava chegar até o Egito, tendo em vista a ampliação da dominação econômica com a cobrança de tributos. Para isso, ela precisava conquistar a simpatia do povo de Judá, tomar conhecimento da sua realidade e tê-los como aliados e súditos.

 

Sasabassar foi o primeiro chefe de caravanas que veio com um grupo de exilados e com a autorização da Pérsia para devolver os objetos de culto e reconstruir o Templo de Jerusalém (Esd 1,8-11). Encontrou oposição e apenas conseguiu o lançamento da pedra fundamental (Esd 5,14-16).

 

Com a morte de Ciro, assume seu filho Cambises, que continuou o intento expansionista do pai chegando até o Egito, mas teve de retomar devido aos conflitos internos na sede do império; morreu em consequência deles.

 

Dario I, depois de muita luta, impôs-se em 521 a.C., consolidando o império persa. Incentivou a reconstrução do Templo, a qual foi levada adiante por Zorobabel, apoiado pelos profetas Ageu e Zacarias. O Templo foi reinaugurado em 515 a.C., mas sem a presença de Zorobabel e do profeta Ageu. Não se sabe ao certo qual foi o fim deles.

 

O período persa do tempo de Sasabassar e Zorobabel, que corresponde ao tempo dos dois primeiros projetos, foi muito rico em produções literárias. Nele nasceram os livros de: Ageu, Zacarias (1-8), Terceiro Isaías (56-66), Joel, Levítico (1-7; 11-16) e diversos salmos.

 

Neemias levou adiante o terceiro projeto que visava a reconstrução dos muros da cidade de Jerusalém (Ne 2,11-3,38) e da comunidade judaica. Era um homem decidido. Demonstrou-se preocupado com a situação do povo, sobretudo com os pobres e explorados. Então, pediu aos exploradores que devolvessem as terras roubadas dos pobres e perdoassem as dívidas acumuladas (Ne 5,7-13). Neemias viu no problema da terra e da família a raiz dos males sociais do seu tempo. Por isso, fez valer a lei do ano jubilar por meio do perdão das dívidas para devolver a dignidade às famílias e ao povo. Consegui reconstruir os muros da cidade de Jerusalém na primeira fase de sua permanência em Judá. Retomou uma segunda vez e preocupou-se mais em restabelecer a "pureza legal" e promoveu politicamente Judá, que passou a ser uma província da Pérsia e não mais dependente da Samaria. Deixou caminho aberto para Esdras. Esdras chegou na Judéia por volta de 398 a.C. e deu continuidade ao trabalho iniciado por Neemias na reconstrução da comunidade judaica, que havia perdido sua identidade. Restabeleceu-a pela observância estrita à lei de Deus e do rei (Esd 7,26). Expulsou as mulheres estrangeiras e seus filhos que ameaçavam essa fidelidade (Esd 10,3.11). Em protesto a essa medida de Esdras, surgiram diversos escritos bíblicos com características proféticas contra a exclusão da mulher estrangeira, a opressão sobre o povo e o fechamento da comunidade sobre si mesma: Rute, lonas, J6, Cântico dos Cânticos, Provérbios (1-9). Nesse tempo o Pentateuco recebe forma definitiva, com a união das Tradições Javista, Eloísta, Deuteronomista e Sacerdotal. Surgiram também alguns salmos.

 

Por volta do ano 350 a.C., o império persa começou a apresentar sinais visíveis de decadência provocada pelos conflitos internos na sucessão dos soberanos. A Grécia já havia iniciado suas conquistas na Ásia com Filipe, rei da Macedônia, assassinado em 336. Assumiu em seu lugar o filho Alexandre. Ele continuou as guerras de conquista, chegando a ocupar Anceniva, Tiro, Síria e Jerusalém na batalha de isso, em 333 a.C.

 

Perguntas:

1º) Tudo começou com um general chamado Ciro. Além do forte exército, ele era considerado pacificador e respeitador das tradições dos povos. Entrou na Babilônia praticamente sem encontrar nenhuma resistência e aclamado pelo povo, que o considerava libertador. Todo o império babilônico passa para as suas mãos, inclusive a Palestina. Como é que os israelitas enxergaram essa virada?

 

Notas

 

[1] O soberano da Babilônia Nabônides, diante das ameaças de Ciro, rei da Pérsia, transferiu a capital para Tema e deixou seu filho como administrador da cidade e capital Babilônia, pois o novo imperador demonstrava-se imbatível. Ciro conquistou os impérios dos medos, parte da Ásia Menor, as planícies da Babilônia, da Síria, da terra de Israel e do Egito; chegou a formar o maior império do Oriente.  

[2]Entre eles se encontrava os samaritanos, amonitas e moabitas que haviam se misturados com os judeus pobres que ficaram na terra durante o exílio (Esd 3,3).

[3]Na Bíblia Sagrada - Edição Pastoral, a expressão "povo da terra" foi traduzido por "população local" (Esd 3,3; 4,4; 9,1-2; 10,2.11; Ne 10,31-32).

[4] Nem todos os animais podiam ser oferecidos nos sacrifícios, só os que eram considerados puros. No livro do Levítico 11,1-47 há uma classificação e listagem dos animais puros e impuros. A questão do puro e impuro está ligada à lei de santidade. Era considerado puro lodo o animal que podia aproximar-se ao Deus Santo, e impuro todos aqueles que eram considerados impróprios, como os animais que os pagãos tinham como sagrados e os repugnantes ou maus para o homem. Estes eram considerados desagradáveis a Deus e não podiam ser oferecidos em sacrifício.

[5]Há uma tendência atual de relativizar, pelo menos nas discussões entre os biblistas, as Tradições Eloísta e um pouco menos a Javista, dando todo o valor às Tradições Deuteronomista e Sacerdotal, como se as duas anteriores fossem pré-Deuteronomistas. Mas na literatura bíblica atual continua a menção das quatro tradições principais na formação do Pentateuco (cf. KONING5. 1. A Bíblia nas origens e hoje. Petrópolis, Vozes, 1998. pp. 79-83; SICRE, J. L. Introdução ao Antigo Testamento. 2. ed. Petrópolis, Vozes, 1999. pp. 86-91). Por isso, neste estudo conservamos as quatro principais tradições que teriam contribuído na formação do Pentateuco segundo a teoria de Welhausen. A pesquisa dos estudos bíblicos avança. e isso é bom! Mesmo assim, não podemos ignorar os benefícios que essas descobertas trouxeram, e sem dúvida servirão de pedestal para o avanço dos novos estudos na área bíblica. As tradições não podem ser ignoradas no estudo da formação do Pentateuco mesmo que futuramente surjam novas propostas a esse respeito.