Rating: 2.9/5 (1534 votos)

ONLINE
1


Partilhe esta Página

 

super bowl 2021

11.5 O REINO DO NORTE E os PROFETAS 931 a 722 a.C
11.5 O REINO DO NORTE E os PROFETAS 931 a 722 a.C

Retomando o caminho feito. No estudo anterior aprofundamos a origem da monarquia em Israel com Saul, a sua ampliação e estruturação com Davi e a consolidação do reino com Salomão. Estudamos também as consequências da política desses reis para o povo de Israel. Ficou claro que a monarquia trouxe alguns benefícios, mas causou muitos danos a vida do povo. Entre esses danos estão: a perda da organização que o povo tinha antes, a exploração do trabalho e a opressão econômica sobre os produtores. A própria fé também ficou lesada, pois o culto foi centralizado no Templo de Jerusalém, causando problemas para o povo que morava nas regiões mais distantes da capital.

 

Neste estudo aprofundaremos o que sucedeu a morte de Salomão em 931 a.C. O Norte proclama sua independência com relação ao Sul, e o reino divide-se em dois.

 

Começaremos pelo estudo do reino do Norte, chamado Israel. Ele durou pouco: de 931 a 722 a.C. São pouco mais de 200 anos. Estudaremos os acontecimentos que desembocaram na independência do Norte, o que aconteceu depois disso e como essa tentativa de autonomia foi morrendo até a extinção do reino de Israel.

 

Esse é um período conturbado e complexo, mas de fundamental importância para a Bíblia, pois nos seus dois séculos de existência, o reino de Israel foi palco de grandes acontecimentos e de personagens bíblicos, como os reis e os profetas. O que se produziu por lá contribuiu enormemente para a elaboração e ampliação do material bíblico, como veremos mais tarde.

 

A chave para a compreensão do que está na origem da ascensão e queda do reino de Israel é a questão dos impostos. Analisando por esse lado a história desse breve período do povo da Bíblia, podemos entender melhor os motivos que levaram o Norte a separar-se do Sul. Fica mais clara, para nós, também, a situação dos profetas nesse contexto e suas críticas ao regime. Compreenderemos, então, por que o reino de Israel faliu.

 

1.Os primeiros anos do Reino do Norte A história do período em que existiu o reino do Norte se encontra nos dois livros dos Reis (1Rs 12,1a2Rs 17). Mas, como sempre acontece na vida real, os relatos escritos só vêm depois (e, às vezes, muito depois) que um punhado de gente já fez a história, já viveu os acontecimentos com toda a sua ambiguidade, já passou pelas incertezas do alcance das decisões que deveriam tomar diante dos conflitos da sua vida. Enfim, a história é história porque é feita por pessoas que viveram o seu momento. Vamos conhecer mais de peito algumas pessoas que fizeram a história do reino do Norte. Aprofundaremos os fatos que as envolveram e como elas se comportaram diante deles.

 

Após a morte de Salomão, Roboão, sucedeu o pai no trono. Entretanto, os nortistas não aceitaram pacificamente isso. Exigiram que Roboão se apresentasse numa assembleia na cidade de Siquém, e aí colocaram para ele as condições exigidas para admiti-lo como rei: acabar com o arrocho e a opressão. Como no tempo da Confederação das Doze Tribos, o povo volta a ter voz ativa (1Rs 12,1-5).

 

Roboão se reuniu com seus conselheiros para tomar uma decisão. Uma parte deles (anciãos) percebe que Roboão não teria condições de governar se não atendesse as reivindicações básicas do povo. Ouvir a voz do povo e agir segundo suas propostas é o essencial para governar com justiça e ser bem aceito (1Rs 3, 9). O rei, porém, preferiu escutar seus amigos de corte, que o aconselharam a amedrontar o povo com repressão: “Meu pai colocou sobre vocês um fardo pesado, mas eu aumentarei ainda mais esse fardo. Meu pai castigou vocês com chicotes, e eu castigarei vocês com ferrões” (1Rs 12,6-15). O rei não deu ouvidos ao povo.

 

A reação do povo foi imediata, ao perceber que o rei não lhe dava atenção. Os que estavam na assembleia responderam: “O que temos nós com Davi? Não temos herança com o filho de Jessé. Volte para as suas tendas, Israel. Agora, cuide de sua casa, Davi” (1Reis 12,16). Essas palavras que os nortistas disseram a Roboão significam que eles renegaram a dinastia de Davi, isto é, não aceitavam mais os descendentes de Davi como rei, e desligaram-se política, religiosa e afetivamente da dinastia de Davi (1Rs 12,16-33). A inaptidão política de Roboão, prometendo um governo ainda mais repressor e explorador, provocou a separação dos nortistas e a consequente dividindo do reino.

 

Era o ano 931 a.C. a ilusão de um reino unido rasgava-se em pedaços, como no gesto simbólico realizado pelo profeta Aís de Silo, um profeta do Norte (lRs 11,29-31). Os dez pedaços entregues a Jeroboão significavam as dez tribos do Norte a separar-se do Sul. O profeta incentivava, dessa forma, a divisão do reino e oferecia o seu apoio ao lado da revolta e Jeroboão se tornou, assim, uma ameaça para a estabilidade do reino de Salomão, que, logicamente, procurou mata-lo.

 

Naquele momento histórico, rasgar o manto novo era um gesto simbólico, mas com significado claro e muito preciso. O profeta e o líder popular armavam a revolução propondo que cada tribo assumisse as suas características próprias. Mas o ato de rasgar o manto novo em 12 pedaços significava principalmente o retorno ao sistema organizativo das tribos. Retratava aquela saudade de um sistema familiar, em que cada grupo tinha direito de viver a sua própria realidade, sem a exploração de um estado centralizador.

 

O laço que unia todas as tribos, já bastante frágil, rompe-se agora definitivamente. As raízes desse rompimento são facilmente identificáveis na história. Por sinal, a própria localização das tribos favorecia uma espécie de ruptura geográfica entre Norte e Sul. Mas, sobretudo o sistema monárquico, centralizado na capital Jerusalém (Sul), impôs excessiva carga de impostos sobre os camponeses, levando-os ao empobrecimento extremo. Altos impostos e trabalhos forçados serviam para manter o luxo e mordomia da classe alta que se vinha formando.

 

A partir de então, passaram a existir dois reinos em Israel: um no Sul, conhecido como "Reino de Judá", mantendo sua capital em Jerusalém e outro no Norte, conhecido como "Reino de Israel", tendo como capital na cidade de Samaria. A história desse período se encontra nos dois livros dos Reis (1Rs 12,1 a 2Rs 17).

 

reino do Norte

 

A rebelião política das tribos do Norte não significou uma aproximação teológica do ideal pretendido pela aliança. O profeta Aias de Silo havia transmitido a Jeroboão uma mensagem do Senhor Deus, semelhante ao que o profeta Natan dissera a Davi: “Eu te tomarei para reinares sobre tudo o que desejares e serás rei de Israel. Se obedeceres a tudo o que eu te mandar, se Seguires meus caminhos e líderes o que é reto a meus olhos, observando meus estatutos e meus mandamentos, como fez meu servo Davi, então estarei contigo e construirei para ti uma casa estável, como fiz para Davi” (1Rs 11,37-38).

 

Essa promessa coloca Jeroboão no nível de “Davi do Norte”, e o reino de Israel no mesmo patamar de Judá. Porém, nem o próprio Jeroboão nem seu filho Nadab, que Norte-Sul uma "costura" malfeita lhe sucedeu no trono, realizaram esse ideal. A grande crítica da história deuteronomista a todos os reis do Norte, que volta como um refrão, e esta: “Fez o que é mau aos olhos do Senhor”. Por isso nenhum deles conseguiria formar uma dinastia perene, como acontecera no Sul. O reino de Israel passara pelas mãos de cinco famílias ou dinastia distintas, e l9 reis, dos quais sete foram assassinados e um se suicidou. A violência, a injustiça, a exploração, o suborno, ambição, o luxo de alguns à custa do empobrecimento dos outros e a “banalização” do Senhor”, associada a uma farsa religiosa baseada no ritualismo, tudo isso fez do reino do Norte um exemplo do que pode ser um “efeito domino” de desastres políticos.

 

Foram 209 anos de constantes rebeliões contra o Senhor Deus. O ponto final dessa história foi a destruição definitiva do reino de Israel com a tomada da capital Samaria pelo Império Assírio, no ano 722 a.C. O reino de Israel desapareceu do mapa, para nunca mais voltar a constituir-se um Estado autônomo.

 

2. Cronologia dos Reis de Israel – Reino do Norte. Começaremos pelos reis, porque a política deles imprimiu marcas profundas no povo. De certo modo, por serem os governantes, tinham o destino da nação em suas mãos. Mas suas opções infelizmente encaminharam o pais para a derrocada final. Eles São os vilões da história. Por se tratar, porém, de história real e não de ficção, ela revela a triste face da realidade de uma nação cujos dirigentes agem de modo insensato, insano, até mesmo em detrimento de um projeto de Sociedade mais voltado para o bem comum.

 

Depois, conheceremos melhor os profetas, os antagonistas da história. Eles são pessoas com uma profunda e clara visão do seu tempo: da política, da economia, da religião, do cenário interacional da sua época. Viam aquilo que os outros não viam (talvez porque estes não conseguiam ver por ter os olhos ofuscados, ou talvez porque não queriam ver por ter outros interesses em jogo). São pessoas lucidas, capazes de perceber o cerne das coisas e de defender a sociedade israelita. Eles revelam a face viva e desperta da sociedade que não se deixou contaminar pela propaganda alienante dos poderosos. Contribuíram para salvar a própria história ao denunciar as mazelas dos dirigentes. Eram a voz crítica da sociedade diante da malfadada política dos monarcas. Sem a visão crítica dos profetas, a história teria chegado a nos deturpada, filtrada pelos interesses dos poderosos, os opressores. Os profetas nos mostram o lado dos oprimidos. Ajudaram a manter viva na memória do povo a esperança de tempos melhores. Mas cobravam de ambos, reis e povo, as mudanças imprescindíveis para que a nação na o sucumbisse.

 

Por fim, conheceremos um grupo de pessoas cujos rostos só poderemos imaginar, porque trabalharam anonimamente, sem deixar Suas assinaturas no final de suas histórias, de seus “causos”. Seus nomes não aparecem nos créditos do filme. E gente do povo, porque povo também faz história e conta histórias que fazem pensar. O povo tem sua versão da história. Estamos falando de um número incontável de gente desconhecida que, no reino do Norte, criou, conservou, ampliou e depois contou e cantou algumas histórias sobre o povo de Deus. Essa gente preferia chamar a Deus de Elohim, em vez de Senhor. Suas reflexões e memorias estão espalhadas na Bíblia, sobretudo no Pentateuco. A esse material escrito, convencionou-se chamar Obra Eloísta." Por meio de alguns desses textos, vamos conhecer o que o “Zé-povinho” da época do reino de Israel pensava da vida.

 

Não estudaremos todos os 19 reis de Israel. Apresentaremos a seguir a iconografia deles Só para efeito ilustrativo. Em seguida, aprofundaremos o estudo sobre aqueles reis cujo governo em Israel foi determinante para se compreender a ascensão e a queda da tão sonhada independência.

 

Vamos conhecer mais de perto algumas pessoas que fizeram a história do reino do Norte. Não estudaremos os 19 reis de Israel, mas somente os que mais se destacaram na história, aqueles cuja política imprimiu marcas profundas na vida do povo. Você poderia ir acompanhando esses personagens através do gráfico da Linha do Tempo.

 

Cronologia dos Reis de Israel – Reino do Norte

Rei

Ano

Referência Bíblica

Jeroboão I

931-910

1Rs 12,1-14,20

Nadab

910-909

1Rs 15,25-31

Baasa

909-886

1Rs 15,33-34; 16,1-7

Ela

886-885

1Rs 16,8-14

Zambri

885 (7 dias)

1Rs 16,15-22

Amri

885-874

1Rs 16,23-28

Acab

874-853

1Rs 16,29-17,1;18,1-22,40

Ocozias

853-852

1Rs 22,52-54; 2RS,1,1-18

Jorão

852-841

2Rs 3,1-27

Jeú

841-814

2Rs 9,1-10,36

Joacaz

814-798

2Rs 13,1-9

Joás

798-783

2Rs 13,10-25

Jeroboão II

783-743

2Rs 14,23-29

Zacarias

743 (6 semanas)

2Rs15,8-12

Selum

743 (1 mês)

2Rs 15,13-16

Manaém

743-738

2Rs 15,17-22

Facéias (=Pecaía)

738/737

2Rs 15, 23-26

Facéias (=Peca)

737-732

2Rs 15,27-31

Oséias

732/724

2Rs 17,1-6

Queda de Samaria

722/721

2Rs 17,5,41

 

2.1- Jeroboão I. Foi o primeiro monarca do novo reino separado do antigo reino davidico. Ele reinou aproximadamente de 931 a 910 a.C. É importante ressaltar aqui, porém, que Jeroboão foi de certa forma “chamado” por Deus para ser rei, por meio do profeta Aias de Silo (IRS 11,29s), a exemplo do que aconteceu com Saul e Davi, ungidos pelo profeta Samuel (lSm 10, 1; 16,12-13), e com Salomão, legitimado pelo profeta Nata (lRs 1,34).

 

A primeira medida de Jeroboão foi fortificar a cidade de Siquém, onde se reunira a assembleia que rejeitou as propostas de Roboão. Fez de Siquém a capital provisória do novo Reino, até que pudesse escolher a cidade para capital definitiva: Tersa.

 

O Norte reunia dez tribos, ou seja, 80% da população do antigo reino unido. Além disso, concentrava as terras mais férteis, favorecendo a produção agrícola, por conta disso procurou fazer uma política de aliança com os povos vizinhos, favorecendo o comércio e investindo nas cidades, fortificando-as com muralhas (1Rs 12,25). A classe alta que se formou foi se voltando para o exterior, mediante tratados comerciais e alianças políticas.

 

Salomão procurara eliminar os lugares de culto nas cidades e aldeias, estabelecendo o Templo de Jerusalém como único lugar apropriado para adorar Javé. Jeroboão percebeu que não haveria independência política se as Tribos do Norte continuassem indo a Jerusalém para adorar Javé, porque os sacerdotes do Templo teriam o controle e influência sobre essas tribos. Então resolveu quebrar essa dependência: 1º. Estabeleceu dois lugares oficiais de culto no Norte: em Betel e Dan ; 2º. Para substituir a Arca da Aliança, que era o sinal da presença de Deus no meio do povo, fabricou dois bezerros de ouro, colocando-os nesses santuários (1Rs 13,26ss). Isso não significa que os nortistas começaram a adorar bezerros de ouro. O Deus deles continuou sendo Javé; os bezerros de ouro eram, como a Arca, simplesmente uma espécie de pedestal de Javé; 3º Para dirigir o culto e coordenar as novas orientações religiosas, ele “escolheu como sacerdote homens tirados do povo, que não eram filhos da tribo de Levi” (1Rs 12,31). Essa atitude de Jeroboão foi muito criticada, pois desde os tempos mais antigos somente os filhos de Levi exerciam funções sacerdotais.

 

Embora a intensão fosse representar Javé, isso confundiu o povo, porque os bezerros simbolizavam o deus dos cananeus e, também, a exploração do povo, porque bezerros e bois, na época, constituam o poderio econômico mais sofisticado. Daí uma idolatria ainda mais perigosa, a que atentava contra a vida das pessoas. Jeroboão também designou como sacerdotes homens tirados do povo, que não eram da tribo sacerdotal de Levi (1Rs 12, 26-33). O objetivo de Jeroboão I era uma independência religiosa total, como havia sido feita uma independência política total.

 

Por causa dessa atitude, convém ressaltar que o profeta Aias distanciou-se criticamente de Jeroboão e quando este mandou sua esposa procurar disfarçadamente o profeta para fazer uma consulta sobre a sorte do filho Abias, uma criança que estava doente, Aias sentenciou, sem pestanejar, a condenação por parte do Senhor: o menino morrerá, toda a casa de Jeroboão seria exterminada e o povo de Israel vai vacilar como o caniço na água, sendo deportado para outro lugar (1Rs 14,1s). Assim, mesmo com boas intenções, Jeroboão acabou por criar condições para a entrada da idolatria, entendida como manipulação da divindade para fins políticos de dominação e exploração do povo. Esse caminho levou o povo a perda de sua consciência e de sua própria autonomia. A morte do menino deu-se de imediato, logo que sua mãe entrou na cidade (1Rs 14,17). Mas Jeroboão teve seu filho Nadab como sucessor no trono, após sua morte. Depois de Nadab, filho de Jeroboão, aconteceram vários golpes de Estado, até chegar ao rei

 

2.2- Amri. Começou seu reinado aproximadamente em 885 a.C., em Tersa e governou doze anos. Mas depois de seis anos comprou de Semer o monte Samaria e nele fundou e construiu a cidade de Samaria e a constituiu capital do reino de Israel ao Norte, situada mais ao centro do pais. O fato gerou um clima de euforia, que se propagou a partir dessa época. Conseguiu, ainda, o controle do pais vizinho, Moab. Mas ele durou pouco. O reinado de Amri foi curto, apenas 11 anos. Mesmo assim, estabeleceu um governo dinástico por três gerações, num total de 33 anos de governo.

 

Certamente essa dinastia se deve ao fato de que sua subida ao trono foi, de certo modo, uma decisão democrática. Com o assassinato do rei Ela, filho de Baasa, assumiu Zambri, o assassino do rei. Os opositores de Zambri sitiaram a cidade de Tersa. Zambri foi encurralado no palácio real e acabou ateando fogo nele proprio, suicidando-se. O povo dividiu- se, então, entre dois candidatos ao trono: Tebni e Amri. Venceu o partido de Amri. Tal apoio do povo pode explicar o sucesso de seu governo, continuado depois por seus sucessores, seus descendentes. Amri foi rei de muito prestigio no estrangeiro e conseguiu que seu filho Acab lhe sucedesse no governo após a sua morte.

 

2.3 - Acab. Acab foi o sétimo rei, depois de Jeroboão, que reinou do ano 874-853 a.C (1Rs 16,29-17;18,1-22,40). Era ambicioso e sem escrúpulos na condução do seu governo, continuou essa política do pai e se casou com Jezabel, a filha do rei de Tiro (ver mapa), que adorava o deus Baal. Jezabel não só trouxe consigo o deus Baal, mas também muitos sacerdotes e profetas desse deus. Como ela era uma mulher de caráter forte, conseguiu que o rei Acab, seu marido, decretasse que o deus Baal fosse reconhecido como deus oficial do reino de Israel (Norte). Quais as consequências disso para o povo? Precisamos relembrar o que significa adorar Javé, para entender o que acontece quando um outro deus é adorado (cf. acima, p. 22).

 

O povo de Israel, no dia-a-dia, tinha misturado a adoração de Javé com o culto ao deus Baal. Os camponeses achavam que Javé era o Deus libertador e guerreiro, mas quem cuidava da fertilidade do solo, fazia chover e ter uma boa colheita era Baal. Se essa mistura podia trazer consequências sérias, a coisa tomou-se pior quando Baal foi decretado oficialmente como deus do país pelo rei.

 

Agora os princípios básicos que compunham a religião de Baal deveriam ser norma para todo o país. Como a adoração desse deus não tinha nenhuma relação com justiça e libertação, a classe dominante poderia fazer o que bem entendesse nesse campo. Era um deus que favorecia os privilegiados. E assim a opressão voltou de novo e com toda força.

 

Um caso contado na Bíblia ilustra essa relação entre Baal e opressão. Um camponês chamado Nabot tinha uma roça em Jezrael, que sempre pertencera à sua família. Ele plantava parreiras. Acontece que a casa de férias do rei era bem encostada com a roça de Nabot, e a rainha Jezabel resolveu comprar o terreno para fazer um jardim. Nabot, porém, não quis vender, porque era o único pedaço de terra que ele tinha. A rainha não duvidou: montou um tribunal com testemunhas falsas, acusando Nabot de blasfemador e inimigo do rei. A condenação dele foi a morte, e assim o terreno ficou para o rei (conferir toda a história em lRs 21). Esse roubo seria inconcebível para Javé, porque a terra de Israel era dom de Deus e todos deviam ter seu pedacinho de chão. Mas Baal não se importava com isso...

 

Este caso, tornou-se a causa da ruína do próprio Acab. Ele foi condenado pelo profeta Elias a sofrer a mesma sorte de Nabot e a ter sua casa totalmente exterminada (lRs 21,1-29).

 

Contudo, Acab “se arrependeu e fez penitência”, obtendo a misericórdia do Senhor. Além disso, Acab introduziu oficialmente o baalismo em Israel, ao se casar com Jezabel, uma estrangeira, a filha do rei de Tiro, que adorava o deus Baal. Jezabel não só trouxe consigo o deus Baal, mas também muitos sacerdotes e profetas desse deus. Como ela era uma mulher de caráter forte, conseguiu que o rei Acab, seu marido, decretasse que o deus Baal fosse reconhecido como deus oficial do reino de Israel (Norte). Quais as consequências disso para o povo? Precisamos relembrar o que significa adorar Javé, para entender o que acontece quando um outro deus é adorado.

 

2.3.1-  idolatria. Idolatria não é apenas adoração de imagens, estátuas ou deuses pagãos, mas considerar como se fosse Deus quem ou aquilo que não é Deus. É considerar qualquer realida-de criada ou qualquer produto da nossa imaginação como absolutos, colocando neles a nossa confiança ou tendo medo deles. Riqueza, poder e armas podem ser ídolos. Além disso, faz parte da idolatria adorar deuses que querem a exploração, a opressão e a morte das pessoas. Ou deuses que não se importam com isso. Por isso, o povo da Bíblia sempre rejeitou esses deuses, dizendo que eles eram nada, vazios. E idolatria, ainda, usar o nome do Deus verdadeiro para alienar as pessoas e ter uma brecha para explorar e oprimir.

 

O povo de Israel, no dia-a-dia, tinha misturado a adoração de Javé com o culto ao deus Baal. Os camponeses achavam que Javé era o Deus libertador e guerreiro, mas quem cuidava da fertilidade do solo, fazia chover e ter uma boa colheita era Baal. Se essa mistura podia trazer consequências sérias, a coisa tornou-se pior quando Baal foi decretado oficialmente como deus do pais pelo rei.

 

Durante o reinado de Acab, surgiu e atuou o profeta Elias. O conjunto de narrativas sobre este profeta recebe o nome de "Ciclo de Elias" (1Rs 17-19;21;2Rs1,1-2; 18). Dois episódios envolvendo um conflito de fronteiras com o país vizinho, Aram, são lembrados para mostrar o quanto esse rei desprezava o Senhor e os mensageiros enviados por ele para admoesta-lo (1Rs 20; 22).

 

O primeiro episódio está relacionado com o rei do principado arameu de Damasco, Ben-Adad II Ele queria submeter Israel a seu domínio, cobrando-lhe tributo de ouro e prata. Mas Acab rebelou-se e houve, então, uma primeira guerra entre os dois, nas montanhas, em que acabou vitorioso (1Rs 20,23). Na ocasião, um profeta anônimo havia manifestado o apoio do Senhor a Acab, mas ele fez um pedido: "que tu reconheças que eu sou o Senhor" (1Rs 20,13). Esse profeta anônimo previu a volta do inimigo, com outra estratégia de combate. A batalha realizou-se na planície de Afec, e Acab venceu novamente, poupando, contudo, a vida do rei Ben-Adad II. O profeta tomou a repetir as palavras do Senhor, que esperava o extermínio total daqueles inimigos. Vem então a rejeição e a condenação não só de Acab, mas de todo o povo de Israel (1Rs 20,26-43).

 

O segundo episódio envolveu também os arameus, sem definir quem era o rei deles. Dessa vez Josafa, rei de Judá, que vivia um perto do de pais com Israel, veio visitar Acab, e este aproveitou para pedir-lhe apoio militar para uma guerra de reconquista do antigo território de Ramot de Galaad, perdido para os arameus em épocas passadas. Josafa aceitou combater junto com Acab.

 

Nesse episódio entra a figura de um outro profeta de nome Miquéias, filho de Ben-Jemla. Ele vai, ironicamente, profetizar a vitória de Acab, como faziam todos os falsos profetas, em nome do Senhor. Mas, na verdade, Miquéias prediz a derrota de Acab na batalha contra Ramot de Galaad. Isto realmente aconteceu. Acab morreu em seu carro, banhado no próprio sangue. O carro foi lavado na piscina de Samaria, e os cães lamberam o sangue, e as prostitutas ali se banharam (2Rs 22,28-38). Cumpriram-se as palavras da profecia de Elias (1Rs 21,19).

 

Com a morte de Acab, subiu ao trono Ocozias, seu filho. Reinou apenas um ano (853-852); adoeceu e morreu, sem deixar filhos. Seu irmão Jorão assumiu em seu lugar. Enquanto Jorão reinava, o profeta Eliseu, sucessor de Elias, mandou um de seus discípulos ungir Jeú como rei sobre Israel. Uma vez ungido, ele foi aclamado pelo povo como rei e daí partiu para a usurpar o do trono. Com uma flecha certeira, numa cilada armada contra o rei Jorão, Jeú pôs fim a dinastia de Amri. Exterminou a casa de Jorão e toda a família real, até mesmo Jezabel. Cumpriu-se, assim, a última parte da previsão de Elias sobre a morte de Jeú (2Rs 10,1-36).

 

Ler a história com fé. O povo da Bíblia sempre adorou Javé, que o libertou do Egito, deu para ele a terra prometida e exigiu justiça e fraternidade. Para os que formavam esse povo, adorar outros deuses significava criar uma sociedade opressora, onde os pobres se tomariam cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos; para eles, adorar outros deuses significava abandonar o projeto de liberdade e vida, partilha e opressora, onde os pobres se tomariam cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos; para eles, adorar outros deuses significava abandonar o projeto de liberdade e vida, partilha e fraternidade, e introduzir a escravidão e a morte, a exploração e a opressão.

 

2.4 - Jeroboão II.  Jeroboão II reinou quarenta e um anos. No seu governo, estabeleceu completamente os antigos limites do reino (2R 14,5), a Assíria deixou de exercer influência sobre a região, possibilitando o fortalecimento e o crescimento, conseguindo imprimir ao seu reinado um caráter de progresso, prosperidade e paz para o povo e Israel teve um desenvolvimento sem precedente. O povo era incentivado a produzir mais, pois o momento era favorável. Era o “milagre econômico” de Israel. Esse “milagre” foi alimentado pelas celebrações de ação de graças, que se multiplicaram enormemente no país. 

 

O incentivo à produção e as boas condições da economia, livre da pressão externa da Assíria, geraram um superávit, um excedente de riquezas que poderia deixar realmente a nação tranquila. Quem quisesse ver para onde convergia a riqueza de Israel, deveria ir a capital, Samaria. La, veria as luxuosas mansões, os requintados palácios e as intermináveis festanças daqueles que gozavam da boa vida.

 

Mas seria ingênuo pensar que toda a riqueza de Israel, nesse período, fosse fruto da boa administração do trabalho e da produção. Mais ingênuo ainda seria pensar que toda essa riqueza tenha sido repassada de forma igualitária ao povo.  O profeta Amós, foi o primeiro homem lúcido a perceber as verdadeiras causas dessa aparente prosperidade de Israel: a exploração dos camponeses, a injustiça e a alienação religiosa. Leia um exemplo de suas denúncias (Am 2,6-7; 6,1-7).

 

Para manter o desenvolvimento da indústria e do comércio e a prosperidade, em favor de seus interesses, a corte precisou do produto do campo, intensificando assim uma política de centralização. Um dos meios foi a centralização do culto, das festas e do sacrifício no san­tuário de Betel, chamado “santuário do rei” (Am 7,13), dentro do sistema de coleta de tributos (Am 5,21-22).

 

O rei Jeroboão II conta com aliados fundamentais para a manutenção desse estado de coisas. Os sacerdotes. Eles atuavam principalmente nos santuários de Betel e Da, considerados “templos do rei” (Am 7,13),24 além dos inumeráveis “lugares altos” (Am 7,9). Com a legitimação religiosa do status quo de seu governo, o rei podia realmente pensar que tudo ia bem, que o “Dia do Senhor”, aquele tempo de paz definitiva, estava próximo.

 

Com a centralização do culto no santuário do rei, a religião sofreu mudanças. Javé foi definido como deus oficial do Estado; embora já fosse reconhecido desde o reinado de Jeú (2Rs 9-10), consolidou-se como o deus protetor da casa real e das instituições que sustentavam a monarquia. Em nome da apostasia da fé em Javé, um deus oficial forte, o Estado condenou as outras divindades principais, como El e Baal, cultuadas nos santuários do interior (13,13-16).

  

A reação a todo esse processo de centralização foi ini­ciativa do grupo profético popular (Am 7,14-15), portador da tradição do êxodo: "Acaso não tirei Israel da terra do Egito, e de Quir os filisteus de Cáftor e Aram? Os olhos do Senhor Javé se voltam para a nação pecadora” (Am 9,7b-8a; cf. Os 11,1-4). O grupo faz uma forte oposição à monarquia e às suas bases de sustentação, exaltando as leis sociais em defesa dos pobres, que transparecem no núcleo do Decálogo (Ex 20,1-21) e do Código da Aliança (Ex 20,22-23,33), redigidos primeiramente no reino de Israel Norte.

 

Mais tarde, depois da morte de Jeroboão, com os seus sucessores, o profeta Oséias seguira em frente na crítica iniciada por Amós, a essa atitude louca dos dirigentes, que levara a nação inteira a falência. Ele negou que a monarquia pudesse ser instrumento para levar a frente o projeto de sociedade que Deus quer: (Os 13,9-11). Denunciar as injustiças, defender os oprimidos, buscar um sistema que possa estabelecer a fraternidade e a liberdade não é atitude de gente anormal, desequilibrada, mas é fidelidade ao Deus no qual cremos. Assim nos diz Amos, ao descrever sua vocação: “Um leão ruge, quem não temera? O Senhor Javé falou quem não profetizará? ” (Am 3,8).

 

Por volta de 743, o cenário local mudou completamente. Iniciava-se o expansionismo do Império Assírio. Diante da pressão assí­ria, o poder central de Israel Norte ficou cada vez mais enfraquecido e passou por um momento de forte crise: a guerra siro-efraimita (735-734 a.C.), as contínuas intrigas na corte, as guerras internas (Os 4,1-3; 7,3-7) e a queda de Samaria (722 a.C.). Tudo isso fez com que grande número de pessoas fugisse para Judá, levando consigo as diversas tradições de Israel Norte: o movimento (leis) da centralização; Javé como o deus oficial do Estado; as leis sociais do movimento profético popular; Javé como o deus libertador do êxodo etc. São essas tradições que fazem parte dos elementos básicos do Dt.

 

2.5 - Os últimos Reis . Israel ainda permaneceu 22 anos e teve 6 reis depois de Jeroboão II. Um assassinou o outro, até o rei Oseias, que foi derrotado pela Assíria. Oséias reinou de 732 a 724 e fez um reinado de aparente submissão à Assíria pagando-lhe os tributos, mas secretamente fez uma aliança com o Egito para rebelar-se contra o domínio assírio. O rei da Assíria, entretanto, descobriu que Oséias o traia, mandando mensageiros a Sais, rei do Egito e também tinha deixado de lhe pagar os tributos anuais. Mandou então encarcera-lo e prendê-lo com grilhões. Depois invadiu e cercou Samaria durante três anos, conquistando e destruindo-a. Deportou a população e trouxe para o território cinco outros povos conquistados e os estabeleceu no lugar dos Samaritanos (2Rs 17,1-6; 24). Como tempo, eles foram se misturando com os israelitas que aí permaneceram, formando uma raça considerada impura pelos judeus e que ocasionara mais tarde uma rejeição por parte dos judeus, que se consideravam raça pura e desprezavam seus vizinhos como raça impura.

 

Os samaritanos, porém, sempre observaram escrupulosamente as prescrições da Lei ou Pentateuco. Não aceitavam os outros escritos do Antigo Testamento e não frequentavam o Templo de Jerusalém. O único lugar de culto deles era o monte Garizim, que ficava no Norte. Acreditavam na vinda do Messias, que chamavam de Taeb (= Aquele que volta). Esse messias, porém, não seria descendente de Davi, como pensavam os judeus, mas sim um novo Moisés. Dois textos dos Evangelhos falam especificamente dos samaritanos: o capítulo 4 do Evangelho de São João e a parábola do Bom Samaritano, que está em Lucas (10,25-37). Ainda hoje existe um grupo de samaritanos, que conserva seus costumes e crenças.

 

Estava assim terminado o Reino do Norte que deixou de existir para sempre como Estado autônomo. Do antigo império de Salomão, agora sobrava apenas o pequeno Reino de Judá, no Sul.

 

3 - Os Profetas Podemos dizer que monarquia e profecia surgem juntas. Nascem e caminham lado a lado. Reis e profetas são figuras complementares, mas contrastantes. Nesse período, no Reino do Norte, atuaram os profetas: Elias, Eliseu, Amós e Oséias. Todos eles declararam "guerra santa" contra os reis de Israel (1Rs 18-2Rs 10).

 

3.1 - Elias, o tesbita. A ambição pelo poder corrompe. Para que o governo dos reis triunfasse era necessário destruir a religião de Javé. Esta reli­gião mantinha o povo na obediência às leis e à Aliança, às tradições tribais e aos costumes do tempo dos Juízes. Isto impedia a centralização do poder nas mãos do Rei. Na tenta­tiva de destruir a religião de Javé, os reis vão incentivar e promover o culto idolátrico a baal, deus cananeu da chuva e da fertilidade do solo, o protetor das cidades. Na época do rei Acab, a religião de baal se torna oficial (1Rs 16,32-33). Casado com Jezabel, filha de Etbaal, rei dos sidônios, princesa fenícia de Tiro, trouxe desta cidade-estado sacerdotes e profetas de baal que viviam na corte em Samaria, sustentados pelo rei (1Rs 18,19). A religião de Javé é duramente perseguida (1Rs 18,13). Profetas Javistas são presos ou mortos. Tudo isto fez Israel mergulhar no mais profundo paganismo, sem nenhuma pretensão de preservar o culto a Javé tornando-se uma nação idólatra e pagã, como as demais nações.

 

Nesta época, as cidades funcionavam como quartéis, cen­tros comerciais e centros religiosos. O rei era, ao mesmo tempo, comandante do exército, responsável pelo comér­cio e sacerdote da religião. O casamento do rei Acab com a rainha Jezabel faz com que invistam muito no comércio, fazendo aliança com os fenícios, os maiores comerciantes da época. Israel comprava dos fenícios tecidos, objetos de luxo e armas. E, em troca, oferecia trigo, óleo, azeite e gado. Essa aliança significava que comerciantes estrangei­ros, da cidade-estado de Tiro, criassem um bairro comer­cial em Samaria. E neste bairro construíram um templo ao seu deus baal-Malkart (lRs 16,31).

 

Quando Acab, influenciado por sua esposa Jezabel, substituiu o culto à Javé pela adoração à baal (1Rs 16,31-33), Elias apareceu repentinamente perante o rei para anunciar a ausência de chuva (1Rs 17,1) e, portanto, um longo período de seca. Como a chuva é um dos principais elementos de sustentação da natureza, a falta dela provocou seca, fome e miséria. Isto fez com que Acab se irasse ainda com Elias, pois achava que ele era o culpado daquela calamidade, que prejudicou terrivelmente a vida dos camponeses e das camponesas.

 

Encontramos no Livro dos Reis um conjunto de tradições ligadas à vida e à ação de uma figura central do profetismo bíblico: o profeta Elias. Essas tradições aparecem, de forma intermitente, entre 1Rs 17,1 e 2Rs 2,12. Em 1Sm 17, 1ss, a palavra de Javé veio a Elias, pedindo que ele se dirigisse para Sarepta, na região de Sidônia. Lá ele encontra uma mulher pobre, viúva, estrangeira que, com seu filho órfão, também vive a penúria da fome e da seca. A esse grupo, de pobres e miseráveis, símbolo das excluídas e excluídos daquela época, Elias pede água e pão. A mulher e o filho o acolhem e partilham com ele o que lhes resta. A partilha generosa e gratuita da mulher faz o milagre da fartura.

 

É com essa comunidade de sofredores e sofredoras anônimos/as que Elias convive durante três anos, na partilha e na solidariedade. Cresce a opressão da sociedade, mas ao mesmo tempo cresce a resistência dos pobres, grito profético contra a força da morte que continua destruindo a vida do povo. O filho único da viúva acaba morrendo. Agora é a mulher que desafia Elias. Elias clama a Javé. Javé, o Deus da vida, presença sagrada na comunidade que acolhe e partilha, ouve o clamor, restaura a vida do menino... Na resistência, na partilha, na solidariedade dessa comunidade profética, Elias experimenta a manifestação sagrada de Deus, capta a sua presença e sua palavra se torna Palavra de Deus. Foi desse grupo de pobres que ele recebeu a confirmação de sua missão: "Assim disse a mulher a Elias: ‘Agora sei que você é um homem de Deus, e que de fato anuncia a palavra de Javé'" (1Rs 17,24).

 

A situação de opressão é um apelo à profecia que nasce no meio do povo e se expressa no seu esforço de organização. Mesmo sem falar, a presença dos pobres, excluídas e excluídos, é um grito profético que interpela a consciência da nação, a vivência de nossa vida religiosa. Os profetas e as profetisas, comprometidos e comprometidas com a causa dessas pessoas, captam o seu grito, se tornam seus porta-vozes e as ajudam na sua organização.

 

Enquanto, na Samaria, o povo passava fome e penúria Acab, sua corte e seus profetas estavam preocupados em manter vivos os seus "cavalos e burros", isto é, estavam preocupados com o exército e com o comércio (1Rs 18,1-6). Possivelmente movido pelo desespero, o próprio Acab sai à procura de água com Obadias, o que não era um fato comum, pois, como rei, ele poderia apenas ordenar a seus servos que saíssem à procura de água. 

 

Jezabel, esposa do rei Acab, além de controlar o seu esposo (1Rs 21,25), ela levou a nação de Israel a adorar seus deuses (1Rs 18,19-20). Os israelitas achavam que podiam adorar o Deus verdadeiro e ao mesmo tempo adorar a Baal. Eles tinham o coração dividido e por esta razão queriam servir a dois senhores. Como se não bastasse, intentou matar a todos os profetas do Senhor (1Rs 18,4). Foi nessa ocasião que Obadias, um homem temente a Deus e servo do rei Acab (possivelmente um mordomo ou camareiro do palácio), conseguiu esconder 100 profetas do Senhor e os sustentou com pão e água, pondo em risco a sua própria vida, pois, caso fosse descoberto, tanto ele como os cem profetas, seriam mortos à mando de Jezabel. 

 

Esta família preocupada em acumular riqueza e viver na mordomia e usando do famoso direito dos reis (Dt 17,14-20; 1Sm 8,10-17), pisavam no povo como se fossem donos da vida e da morte de seus súditos. No capítulo 21 de 1Rs, está registrado que Acab desejou adquirir uma vinha que pertencia a Nabot. Como Nabot recusou-se vender a sua vinha para Acab, Jezabel enviou cartas aos anciãos e aos nobres da cidade, com o selo do rei (como se estivesse sido escritas por ele), e mandou colocar duas falsas testemunhas contra Nabot, acusando-o de blasfêmia contra Deus e contra o rei, e, depois, o apedrejassem; fazendo com que seu marido possuísse a vinha que pertencia a Nabot (1Rs 21,1-16), numa demonstração de que, tanto Acabe como sua esposa Jezabel, eram capazes de fazer qualquer coisa para conseguir seus objetivos, até mesmo, mandar matar pessoas inocentes. É em meio a essa crise social, moral e espiritual, Deus levanta o profeta Elias para combater o pecado, proclamar o juízo e chamar o povo ao arrependimento o qual, desafiou o povo a fazer uma escolha definitiva entre seguir a Deus ou a Baal.

 

O conflito entre a religião de Javé e a religião de baal atinge no Carmelo seu ponto crítico. Deste enfrentamento sairá a resposta vital: quem é o verdadeiro Deus? O povo reunido deve definir-se ante as posições em conflito. Mer­gulhado na dúvida, o povo viu que o rei Acab e a rainha Jezabel promoveram a religião de baal (lRs 16,31), perse­guiram e mataram os profetas de Javé (lRs 18,4) e incen­tivaram a idolatria trazendo e sustentando profetas es­trangeiros. Só no palácio estes profetas eram 450!

 

Ameaçado de morte, fugiu com medo de Jezabel e desejou a morte (1Rs 19,4); caminhou 40 dias 40 noites, após ser alimentado com pão e água, trazidos por um anjo (1Rs 19,8); ao chegar em Horeb, esconde-se em uma caverna, onde tem um encontro com Deus (1Rs 19,12); Unge Elizeu como seu sucessor (1Rs 19,15,21); foi levado ao céu em um redemoinho (2Rs 2,11).A história de Elias está registrada em 1Rs 17,1 até 2Rs 2,11.

 

O relato sobre a vida do profeta Elias inicia-se com uma declaração sobre a sua terra e seu povo: “Então, Elias, o tisbita, dos moradores de Gileade” (1Rs 17,1). Estas palavras põem no cenário bíblico uma das maiores figuras do movimento profético. Elias era de Tisbe, um lugarejo situado na região de Gileade e a leste do rio Jordão. Esse lugar não aparece em outras passagens bíblicas, mas é citado somente no contexto do profeta Elias (1Rs 21,17; 2Rs 1,3-8; 9,36). Elias se tornou muito maior do que o meio no qual vivia. Na verdade, não foi Tisbe que deu nome à Elias, mas foi Elias que colocou Tisbe no mapa!

 

São muitas as virtudes que as Escrituras registram sobre a vida deste destemido profeta. Profetizar no tempo de Elias não era uma tarefa fácil. Era colocar a sua própria vida em risco (1Rs 18.4). E Elias foi chamado para profetizar exatamente contra aqueles que tinham o poder nas mãos: o rei Acab e sua ímpia esposa, Jezabel. Mas Elias não vacilou: Profetizou a falta de chuva e de orvalho (1Rs 11); combateu o pecado de Acab, chamando-o de perturbador de Israel (1Rs 18,18); desafiou os profetas de Baal (1Rs 18,22-40) e predisse a morte do rei Acab e de sua esposa Jezabel (1Rs 22,17-24). Somente uma confiança inabalável em Deus poderia levar um homem a profetizar naqueles dias. 

 

Explicando   1Rs 17s

Elias (cujo nome significa "o meu Deus é o Senhor" - o que, por si só, constitui logo um programa de vida) actua no Reino do Norte (Israel) durante o século IX a.C., num tempo em que a fé jahwista é posta em causa pela preponderância que os deuses estrangeiros (especialmente Baal) assumem na cultura religiosa de Israel. Provavelmente, estamos diante de uma tentativa de abrir Israel a outras culturas, a fim de facilitar o intercâmbio cultural e comercial... Mas essas razões políticas não são entendidas nem aceites pelos círculos religiosos de Israel. O ministério profético de Elias desenvolve-se sobretudo durante o reinado de Acab (873-853 a.C.), embora a sua voz também se tenha feito ouvir no reinado de Ocozias (853-852 a.C.).


Elias é o grande defensor da fidelidade a Jahwéh. Ele aparece como o representante dos israelitas fiéis que recusavam a coexistência de Jahwéh e de Baal no horizonte da fé de Israel. Num episódio dramático, o próprio profeta chegou a desafiar os profetas de Baal para um duelo religioso que terminou com um massacre de quatrocentos profetas de Baal no monte Carmelo (cf. 1 Re 18). Esse episódio é, certamente, uma apresentação teológica dessa luta sem tréguas que se trava entre os fiéis a Jahwéh e os que abrem o coração às influências culturais e religiosas de outros povos.


Para além da questão do culto, Elias defende a Lei em todas as suas vertentes (veja-se, por exemplo, a sua defesa intransigente das leis da propriedade em 1 Re 21, no célebre episódio da usurpação das vinhas de Nabot): ele representa os pobres de Israel, na sua luta sem tréguas contra uma aristocracia e uns comerciantes todo-poderosos que subvertiam a seu bel-prazer as leis e os mandamentos de Jahwéh.


O ciclo de Elias começa com o anúncio, diante do rei Acab, de uma seca que irá atingir Israel (cf. 1 Re 17,1). Essa seca é apresentada, não tanto como um castigo pelos pecados do rei, mas sobretudo como uma forma de mostrar que é Jahwéh (e não Baal, o deus cananeu das colheitas e da fertilidade, cujo culto era favorecido por Jezabel, a esposa fenícia de Acab) o verdadeiro senhor da vida que brota, cada ano, nos campos e nos rebanhos. A implacável seca leva, contudo, Elias para a cidade de Sarepta (hoje Sarafand), uma pequena cidade da costa fenícia, a cerca de 15 quilómetros a sul de Sídon. É aí que o nosso texto nos situa.

 

MENSAGEM

 

Elias chega a Sarepta e, correspondendo à indicação de Jahwéh, dirige-se a uma viúva da cidade. Pede-lhe água para beber e um pedaço de pão para comer. Nesse tempo dramático de fome e de seca, a mulher apenas tem um punhado de farinha e um pouco de azeite, que se prepara para comer com o filho, antes de se deitar à espera da morte; mas prepara o pão para Elias... E, por acção de Deus, durante todo o tempo que Elias aí permaneceu, nem a farinha se acabou na panela, nem o azeite faltou na almotolia.


Trata-se de uma história de cariz popular que, contudo, apresenta interessantes ensinamentos...


1. Com ela, o autor deuteronomista sugere que nessa luta entre Jahwéh e Baal pela supremacia, o Deus de Israel é o vencedor, pois é Ele que dá o trigo e o azeite de que o Povo se alimenta; mais, Jahwéh actua até em casa do seu "adversário" e entre os seus súbditos (Baal era o deus mais popular na Fenícia).


2. O facto de os beneficiários da acção de Jahwéh serem uma viúva e um órfão (os exemplos clássicos, na Bíblia, dos pobres, dos débeis, dos desfavorecidos, dos marginalizados) sugere que Jahwéh tem uma especial predilecção pelos fracos, pelos pobres, por aqueles que nada têm, por aqueles que necessitam especialmente da protecção, da bondade e da misericórdia de Deus.


3. O pão e o azeite que a mulher reparte com o profeta multiplicam-se milagrosamente. O facto mostra que, quando alguém é capaz de sair do seu egoísmo e tem disponibilidade para partilhar os dons recebidos de Deus, esses dons chegam para todos e ainda sobram. A generosidade, a partilha e a solidariedade não empobrecem, mas são geradoras de vida e de vida em abundância.


4. A história sugere, ainda, que a graça de Deus é universal e se destina a todos os povos, sem distinção de raças, de fronteiras ou de crenças religiosas.

 

ATUALIZAÇÃO

• A nossa história - como tantas outras histórias bíblicas - fala-nos da predilecção de Deus pelos desfavorecidos, pelos débeis, pelos pobres, pelos explorados, por aqueles que são colocados à margem da vida. Porquê? Porque Deus vê a história humana na perspectiva da luta de classes e escolhe um lado em detrimento do outro? Obviamente, não. No entanto, Deus opta preferencialmente pelos pobres porque, em primeiro lugar, eles vivem numa situação dramática de necessidade e precisam especialmente da bondade, da misericórdia e da ajuda de Deus; e, em segundo lugar, porque os pobres - sem bens materiais que os distraiam do essencial - estão sempre mais atentos e disponíveis para acolher os apelos, os desafios e os dons de Deus. Os "ricos", ao contrário, estão sempre preocupados com os seus bens, com os seus interesses egoístas, com os seus projectos e preconceitos e não têm espaço para acolher as propostas que Deus lhes faz. Isto deve lembrar-nos, permanentemente, a necessidade de sermos "pobres", de nos despirmos de tudo aquilo que pode atravancar o nosso coração e que pode impedir-nos de acolher os desafios e as propostas de Deus.

 

• A mulher de Sarepta tinha, apenas, uma quantidade mínima de alimento, que queria guardar para si e para o seu filho; mas, desafiada a partilhar, viu esse escasso alimento ser multiplicado uma infinidade de vezes... A história convida-nos a não nos fecharmos em esquemas egoístas de acumulação e de lucro, esquecendo os apelos de Deus à partilha e à solidariedade com os nossos irmãos necessitados. Quando repartimos, com generosidade e amor, aquilo que Deus colocou à nossa disposição, não ficamos mais pobres; os bens repartidos tornam-se fonte de vida e de bênção para nós e para todos aqueles que deles beneficiam.

 

• A nossa história prova que só Jahwéh dá ao homem vida em abundância. É um aviso que não podemos ignorar... Todos os dias somos confrontados com propostas de felicidade e de vida plena que, quase sempre, nos conduzem por caminhos de escravidão, de dependência, de desilusão. Não é à volta do dinheiro, do carro, da casa, do cargo que temos na empresa, dos títulos académicos que ostentamos, das honras que nos são atribuídas que devemos construir a nossa existência. Só Deus nos dá a vida plena e verdadeira; todos os outros "deuses" são elementos acessórios, que não devem afastar-nos do essencial.

 

3.2 - Eliseu. Eliseu foi sucessor de Elias e era um homem bastante particular dentre os profetas. O conjunto de narrativas a seu respeito encontra-se no 2º livro dos Reis, espalhado entre os capítulos 2 e 13, apesar de já ter sido introduzido em 1Rs 19,19-21, quando ele foi chamado por Elias para segui-la. Boa parte dessa narrativa tem aquele gosto dos "causos" que, por sua forma extraordinária (e às vezes exagerada mesmo), levam a gente a pensar. Encontramos nelas uma predileção pelo milagre ou pelas ações, no mínimo, "esquisitas". Daí a particularidade de Eliseu: suas intervenções nem sempre têm como resultado direto a denúncia de alguma injustiça cometida, ou o prenúncio de um castigo ou uma intervenção divina, como no caso dos profetas anteriores a ele. Às vezes até nos perguntamos o que certas intervenções do profeta têm a ver com sua missão em si.

 

A julgar pelo teor dessas narrativas populares, Eliseu é um especialista em "milagres aquáticos", faz parar de correr as águas do Jordão para passar (2Rs 2,14), toma potável a água de Jericó (2,21), manda o leproso Naamã banhar-se no Jordão para curar-se (5,10), indica o lugar onde afundou um machado que caiu no rio (6,6). Mas encontramos também outras histórias milagrosas de teor popular: os meninos de Betel estraçalhados por duas ursas (2,23-24), a multiplicação do óleo da viúva (4,1-7), a sunamita e seu filho ressuscitado (4,9-37), a comida envenenada tornada boa (4,38-41), a multiplicação dos pães (4,42-44) e a revitalização de um morto (13,21).

 

Mas tomemos cuidado. O gosto pelo extraordinário nessas narrativas não nos deve desviar da mensagem mais profunda que elas encerram: "O Senhor agia pela palavra e ações de Eliseu, entre pequenos e grandes, em Israel e fora".  As demais narrativas sobre esse profeta mostram uma outra característica sua: a de acompanhar e dirigir os movimentos políticos, exercendo uma liderança notável, orientado pelo espírito do Senhor (Eclo 48,13). Nesse setor, Eliseu foi mais radical do que Elias, chegando, com grande probabilidade, a apoiar a rebelião de Jeú, que pôs fim à dinastia de Amri.

 

Encontramos Eliseu totalmente envolvido nos eventos políticos que marcaram a primeira metade do século IX a.C.: na guerra de Jorão contra Meshá, rei de Moab (2Rs 3,4-27); na guerra com a Síria, destacando o milagroso (2Rs 6,8-23); na subida de Hazael ao trono da Síria (2Rs 8,7-15); no assédio a Samaria e na fome na cidade (2Rs 6,24-7,2); na unção de Jeú como rei de Israel (9,1-10); no anúncio da vitória contra a Síria (13,14-20).  Vai-se confirmando e aprofundando a característica do profetismo como um movimento político a partir da ótica dos pobres.

 

Explicando  1 Rs 19,16b.19-21  

Esta passagem do Primeiro Livro dos Reis leva-nos até ao séc. IX a.C. Estamos na época dos dois reinos divididos. Os profetas Elias e Eliseu, aqui referenciados, exerceram o seu ministério profético no reino do norte (Israel), no tempo dos reis Acab e Ocozias (Elias), Jorão e Jehú (Eliseu). É uma época de grande desnorte, em termos religiosos: a fé jahwista é posta em causa pela preponderância que os deuses estrangeiros assumem na cultura religiosa de Israel.


Uma grande parte do ministério de Elias desenrola-se durante o reinado de Acab (874-853 a.C.). O rei - influenciado por Jezabel, a sua esposa fenícia - erige altares a Baal e Astarte e prostra-se diante das estátuas desses deuses. Estamos diante de uma tentativa de abrir Israel ao intercâmbio com outras culturas; mas essas razões políticas não são entendidas nem aceites pelos círculos religiosos de Israel. Nessa época, Elias torna-se o grande campeão da fé jahwista (cf. 1Rs 18 - o episódio do "duelo" religioso entre Elias e os profetas de Baal, no monte Carmelo), defendendo a Lei em todas as suas vertentes (inclusive na vertente social - cf. 1Rs 21 - o célebre episódio da vinha de Nabot), contra uma classe dirigente que subvertia a seu bel-prazer as leis e os mandamentos de Jahwéh.


A luta de Elias no sentido de preservar os valores fundamentais da fé jahwista será continuada nos reinados seguintes por um dos seus discípulos - Eliseu. A leitura que nos é proposta apresenta-nos, precisamente, o chamamento de Eliseu.

MENSAGEM

O texto propõe-nos uma reflexão sobre o chamamento de Deus e a resposta do homem.
O quadro inicial da nossa leitura situa-nos no Horeb, a montanha da revelação de Deus ao seu Povo (cf. 1Rs 19,8). Porquê no Horeb? Porque aí, no lugar onde começou a Aliança, Deus vai definir os instrumentos do restabelecimento da Aliança: Elias é convidado a ungir Eliseu como profeta; ele será (juntamente com Jehú, futuro rei de Israel e de Hazael, futuro rei de Damasco) o instrumento de Deus na aniquilação de Acab, o rei infiel a Jahwéh e à Aliança. Trata-se da única vez que o Antigo Testamento refere a "unção" de um profeta.


Após a apresentação inicial, o autor deuteronomista desenha o quadro do chamamento de Eliseu. Ele está no campo, com os bois, a lavrar a terra quando Elias o encontra e o convida a ser profeta: o profeta não é alguém que, repentinamente, cai do céu e invade de forma anormal o mundo dos homens; também não é alguém que se torna profeta porque não serve para outra coisa; mas é sempre um homem normal, com uma vida normal, a quem Deus chama, indo ao seu encontro e falando-lhe na normalidade do trabalho diário, para lhe apresentar o seu desafio.


Elias lança sobre Eliseu o seu "manto". Este gesto tem de ser entendido à luz da crença de que as roupas ou os objectos pertencentes a uma pessoa representavam essa pessoa e continham qualquer coisa do seu poder: dessa forma, Elias comunica a Eliseu o seu poder e o seu espírito proféticos (cf. 2Rs 2,13-14; 4,29-31; Lc 8,44; At 19,12).


Temos, depois, a resposta de Eliseu ao desafio que Deus lhe lança através do gesto de Elias: imolou uma junta de bois, queimou o arado, assou a carne dos bois e deu-a a comer à sua família; depois, seguiu Elias e ficou ao seu serviço. O gesto de Eliseu significa, provavelmente, o abandono da vida antiga, a renúncia à antiga profissão, a ruptura com a própria família e a entrega total à missão profética. Exprime a radicalidade da sua entrega ao serviço de Deus.

 

3.3 - Amós. Jeroboão II, em meados do século VIII, foi o décimo terceiro reis do reino do Norte, e foi uma época de enriquecimento, mas na qual o luxo dos grandes contrastava com a miséria do povo e o esplendor do culto mascarava uma falsa religião. No seu reinado levantou-se o profeta Amós, um pastor de Técua, rude e incisivo (Am 7,14).  E assim, nasceram os profetas escritores. Em relação aos profetas não escritores, como Elias e Eliseu, há em comum a defesa ferrenha da fé em Javé. Seu lugar preferido para falar em público era o santuário de Betel, pois lá encontrava sempre muita gente que vinha oferecer seus sacrifícios e trazer suas ofertas, agradecendo a Deus pela prosperidade que estava concedendo ao povo.

 

Contudo essa prosperidade era falsa, porque, como já vimos, a exploração e a injustiça, o roubo e o suborno permitiam que alguns se deitassem em divãs de marfim e se regalassem em festas intermináveis (Am 6,1-7), enquanto as pessoas iam ficando cada vez mais pobres e excluídas. O povo não percebia isso. Continuava a acreditar na propaganda enganosa das autoridades governamentais. Deixava-se convencer pela pregação espiritualista dos líderes religiosos, que legitimavam a situação, fazendo perigosas concessões ao baalismo.

 

Amós se propôs a ser a voz dos camponeses, levantando-se contra esse sistema de exploração e injustiça, claramente identificado como idolatria, porque levava ao abandono do Senhor e de seu projeto (Aliança), para servir a outros deuses, ou seja, a outros projetos que escravizam e matam. Esse seu grito em defesa do pobre é para ele um "rugido do Senhor" (1,2), um imperativo ao qual ele não pode resistir (3,3-8). Essa é a sua vocação profética.

 

Suas intervenções, portanto, são sempre marcadas pela clareza de opção social ao lado dos deserdados, dos excluídos, dos injustiçados (veja-se, por exemplo, Am 2,6-8; 3,13-15; 5,10-13; e especialmente 8,4-6). Tal opção, resultou, é claro, em conflito. E não demorou muito: parece que Amós não atuou mais do que dois anos. A classe dirigente da nação estava conduzindo o país à ruína, mas parece que só Amós conseguiu ver isso. Ele profetizou a morte do rei, a deportação do povo, e até mesmo o avanço das tropas assírias sobre o país.  Era a declaração da falência do sistema apregoado pelos dirigentes políticos e religiosos. Isso custou a Amós sua expulsão de Israel pelo sacerdote de Betel, Amasias (Am 7,10-17).

 

Com Amós teve início uma nova fase no profetismo em Israel, que contribuiu intensamente para o enriquecimento do material bíblico. Suas palavras, sua vida e suas reflexões passam a ser consignadas por escrito, dando-se origem à literatura profética. Inicia-se a "época de ouro" do profetismo bíblico. A partir dele, os profetas não serão apenas questionadores de algumas políticas erradas dos governantes.  Questionarão o próprio sistema monárquico de Israel e Judá, decretando a falência do modelo de sociedade baseado nesse esquema. A profecia de Amós conseguiu despertar a sensibilidade de mais gente para a realidade das coisas no reino do Norte.

 

3.4 - Oséias. Logo depois dele surge Oséias, denunciando com o mesmo vigor os pecados de Israel, agora identificados como "a prostituição" do povo, que abandonou o projeto do Senhor para servir ao projeto de Baal (veja-se, por exemplo, Os 4,2.4-10; 6,7-10; 10,4; 12,2.8-9). Essa ótica é reforçada pela experiência pessoal de Oséias (a menos que seja apenas um artifício literário): seu casamento conheceu o fracasso quando sua mulher o abandonou e entregou-se à prostituição (provavelmente a "prostituição sagrada" nos ritos baalísticos de fecundidade). Mas ele a amava e, quando ela voltou para casa, recebeu-a de novo, perdoando-a (Os 1,2-3,5).

 

Essa experiência deu a Oséias a moldura para repensar a relação entre o Senhor e Israel, seu povo.  Diante da infidelidade à Aliança ("prostituição"), que Oséias percebe como sendo a causa central de toda aquela situação difícil do povo, não resta outra saída senão converter-se ao Senhor, que perdoará, porque ama seu povo. Daí a denúncia ao culto idolátrico, que é a principal temática de Oséias.

 

Mas ele não é, nem de longe, um liturgista querendo reformar os ritos, ou um religioso tradicionalista queixando-se do abandono das antigas tradições. A partir da religião, Oséias conseguiu atingir todos os setores da vida de Israel: a política, a economia, a educação, demonstrando com clareza que um projeto de sociedade, que pretende "ter a bênção do Senhor", tem necessariamente de se articular segundo a justiça e o direito, o amor e a ternura (Os 2,21).

 

A pregação de Oséias parece que tampouco deu resultado. Ele também percebe que sua gente caminhava para a ruína. Talvez teve a infeliz sorte de ver acontecer aquilo contra o qual tanto prevenira e alertara o povo: a chegada do inimigo (a Assíria) e a devastação definitiva do reino, por causa de sua infidelidade. Debaixo dos escombros da sociedade israelita, a mensagem desse profeta infiltra-se e desabrocha como uma teimosa flor, delicada em suas pétalas, mas de cor firme e de perfume forte. Também o amor do Senhor supera e redime até a infidelidade do seu povo.

 

4– Escritos da Época. Nesta época, no Reino do Norte, surge os livros de Amós, Oséias e também o núcleo central do Deuteronômio (Dt 12-26) a chamada obra eloísta. Certamente, esse núcleo central é obra dos levitas, que colocaram, por escrito tradições muito antigas, de uma parte do povo nortista, que guardou no coração a sua maneira de compreender Deus, mesmo diante do avanço do baalismo e do sincretismo, justamente numa época em que era necessário manter viva a esperança, diante da opressão do Jeroboão II (782-753 a.C.).

 

Os temas mais frequentes dessa obra são: a santidade de Deus, a promessa também para os de fora e as exigências éticas da Aliança.

 

A santidade de Deus Diante do crescente sincretismo entre o javismo e o baalismo, promovido pelos reis e assimilado pelos sacerdotes, a coletânea eloísta acentua a grandeza de Deus, sua santidade e majestade. Ele é o Excelso, que habita nas alturas inacessíveis. Sua comunicação com os humanos dá-se mediante seus mensageiros, os anjos, ou também pelos sonhos, antiga forma de pressagio. Com essa concepção de Deus, o eloista combate três tentações: a perniciosa representação do Senhor pelos bezerros; a sua inaceitável identificação com baal (do qual se faziam imagens para uso doméstico); e a perigosa concepção antropomórfica de Deus, muito forte no Sul. Numa de suas demonstrações de lucidez, o eloista recorda que, já no tempo de Moises, o povo pagou com a própria vida o preço por ter fabricado um bezerro de ouro e tê-lo adorado como representação do Senhor (EX 32). Promessa também para os "de fora”.

 

Outro elemento da obra eloista que se nota é a promessa de Deus a Ismael, o filho de Abraão com Agar, escrava de Sara: mesmo não sendo “o filho da promessa”, Deus continua abençoando o menino, ouvindo seus gritos, salvando-o da morte no deserto e prometendo fazer dele uma grande nação (Gn 21,8-21). A salvação pode passar por outro caminho... fora da “casa de Abraão”.

 

O que isso significa para o povo do Norte, separado dos irmãos do Sul? Exigências éticas da Antiga Aliança entre Deus e o povo perde, no Norte, seu caráter prevalentemente cultual (característica mais forte no Sul, pela presença e importância do templo), para ganhar um caráter mais ético e moral, sem perder o primeiro: a fidelidade do povo aliança mede-se pela pratica da justiça, no respeito ao próximo e ao bem comum (Ex 21,1-22,20 e 22,21-27; 23,1-9). E nesse código de ética social que, certamente, os profetas do Norte tiraram suas terríveis denúncias das injustiças cometidas no rei no de Israel (compare, por exemplo, Ex 22,25-26 com Am 2,8). Do ponto de vista cultural, a novidade é que esse código permite o culto no Senhor nos diversos lugares onde ele se revelou e do qual tomou posse (Ex 20,24). Para maior conhecimento da mentalidade presente nessa importante obra literária, podemos ler: Ex 2,1-10 (Moisés); Ex 3, 1-15 (Senhor, o “nome” de Deus); Ex 20,1-I7 (o decálogo); e Ex 20,22 a 23,19 (o Código da Aliança).

 

Com a destruição da Samaria em 722 a.C., esse documento foi levado para Judá, Reino do Sul, por israelitas que fugiram diante do massacre promovido pelos assírios. Em Judá, esse documento recebeu acréscimos e serviu como base para duas tentativas de reforma religiosa. Uma foi do rei Ezequias (727-698 a.C.) e a outra, do rei Josias (640-609 a.C.)

 

4.1 - Salmo 58. Deus é o juiz dos juízes terrestres. O salmo denuncia a perversidade dos juízes com o mesmo vigor dos antigos profetas. Apela para a hora da justiça divina, que mostrara “um fruto para o justo” (11-12). Tem alguns pontos de contato com a pregação de Miquéias, Naum e Oséias quando cobra a pratica da justiça em nome do Senhor. Reflete a revolta dos fiéis diante de tanta impiedade e, por isso, invoca a vingança de Deus para destruir esses ímpios juízes (7-10).

 

5 - Escritos sobre a época O reino de Israel nasceu em consequência da opressão econômica que o rei Salomão impunha as tribos do Norte. Jeroboão iniciou em 931 o reino de Israel, no Norte, e Roboão o reino de Judá, no Sul. A mesma opressão que justificou a divisão do reino causou sua ruína.

 

O reino do Norte terminou em 722 com a destruição de Samaria, sua capital, para nunca mais se erguer. O reino do Sul, apesar de ser menor e mais pobre, continuou em pé por mais algum tempo, mesmo pagando o prego da vassalagem, como veremos no próximo estudo.

 

 

Aprofundamento acesse o link: https://leituraorante.comunidades.net/5-aula-estara-disponivel-dia-30-08

 

 

Perguntas para você refletir e enviar as respostas para: cursobiblicoonline2012@hotmail.com

 

1- A chave para a compreensão do que está na origem da ascensão e queda do reino de Israel é a questão dos impostos. Quais impostos você paga mensalmente? E anualmente?

2 - O Brasil proclamou a independência política em 7 de setembro de 1822. Faz muito tempo. Mas somos, de fato, um povo livre e independente? Por que?

3 – Hoje ainda existe idolatria? Cite exemplos. Na prática, o que significa adorar o verdadeiro Deus?

4 - A partir dos critérios de liderança, credibilidade e coragem, poderíamos dizer que entre n6s existem profetas? Você poderia citar algum? Poderíamos chama-los de homens de Deus?

5 – “Religião e política se misturam”. O que você acha dessa opinião?

6 - O nosso pais caminha para uma sociedade mais justa e fraterna? O que está impedindo que isso aconteça? Como é que agimos e reagimos diante da situação em que se encontra o pais?