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3 - Bodas de Caná: João 2,1-12
3 - Bodas de Caná: João 2,1-12

Hoje vamos ler o texto sobre as bodas de Caná: uma festa de casamento. Esta festa acontece no am­biente familiar, entre amigos, no espaço da casa, onde as pessoas são acolhidas e amadas. E nesse espaço a mulher tem uma atuação decisiva: ela organiza, prepara e cuida de todos os detalhes, para que tudo saia bem e nada falte.

 


 

1º Passo: Procure um lugar para ficar sozinho e fazer silêncio interior e exterior e leia calmamente a passagem (mais de uma vez se for preciso e tente identificar a personagem e o ponto que mais chamaram sua atenção).

 

Situando o texto: O Evangelho de João levou mais de 60 anos para ser escrito, ou seja, ele surgiu  por volta do ano 95 d.C.. Nesta época os judeus fariseus, chefes religiosos judaicos, exigiam a observância rigorosa da lei do puro e do impu­ro como meio de obter a bênção e a salvação de Deus, multiplicando os ritos de purificação e as leis. Havia no total 613 leis a serem observadas! As pessoas que não cumpriam as leis eram condenadas como "impuras” diante de Deus, perseguidas (15,20), torturadas e expul­sas da sinagoga, centro comunitário dos judeus (16,2). Consequentemente, elas ficavam sujeitas à perseguição do Império Romano, que reconhecia os judeus fariseus como único grupo representativo do povo judeu. O Evan­gelho de João é o único escrito que teve sua redação final pós a expulsão da sinagoga. Fora da sinagoga, o grupo que segue Jesus não tem sua religião reconhecida pelo Império e perde seus direitos de cidadania. Ser desligado da sinagoga significa ter o nome proscrito, riscado da lista das famílias judias.

 

No tempo de Jesus, o casamento era um acontecimento muito importante na vida da aldeia, en­volvia a todos. Esta festa tinha a duração de vários dias; era uma ocasião para reunir os parentes e os amigos pró­ximos e distantes. Na festa não podia faltar o vinho. Na re­gião da Palestina se produzia muito vinho, por isso era uma bebida muito comum nas refeições. O vinho era sím­bolo do amor e da alegria, considerado como dom de Deus e sinal de prosperidade (Jz 9,13; Sl 104,15; Zc 10,7). Nas festas o vinho devia ser abundante (1Sm 25,36; Sb 2,7), era considerado como uma bênção de Deus (Dt 7,13; Is 62,2). Se faltasse o vinho, a família ficaria numa situação constrangedora. Seria um vexame!

 

A imagem de casamento é justamente o símbolo da aliança en­tre Deus e seu povo. E a restauração da feliz união com Deus, que gera a produção, o fruto, a bênção e a alegria: “Aqueles que colhem o trigo também o comerão, louvan­do a Javé. Aqueles que colhem as uvas também beberão o vinho nos átrios do meu santuário” (Is 62,9). O trigo, o vinho, a vida e a alegria no ato religioso de agradecimento a Deus! Aqui, a imagem do vinho é sinal do dom de Deus para a alegria e a prosperidade das pessoas.

 

Como é característico no Evangelho de João, a nar­rativa das “bodas de Caná” é carregada de simbolismo e teologia: “casamento”, “vinho”,“mulher”, “minha hora”, “seis talhas de pedra com água para a purificação”, “o mestre da cerimônia” etc. A linguagem simbólica é rica e inesgotável em sua interpretação, mas exige conhe­cimento dos símbolos do contexto cultural do povo no qual o texto é escrito. Em João, os significados de seus símbolos devem ser compreendidos, em grande parte, a partir do Antigo Testamento.

 

O casamento é a festa da relação de amor que, aben­çoada pelas famílias e pelo mesmo Deus, gera alegria e vida. No tempo do Antigo Testamento, o casamento era celebrado durante sete dias com banquetes de confrater­nização, e, nesta ocasião, o noivo pagava o dote ao pai da noiva.

 

No Antigo Testamento, o vinho é símbolo frequente de alegria e de amor (Sl 104,15;  Jz 9,13; Ct 1,4). O vinho é, também, o símbolo do banquete messiânico da salvação de Deus: “Javé dos exércitos vai preparar no alto deste monte, para todos os povos do mundo, um banquete de carnes gordas, um banquete de vinhos finos, de carnes suculentas, de vinhos refinados” (Is 25,6). E mais ainda: “A abundância de vinho é o sinal do tempo messiânico da salvação!” (Am 9,13-15).

 

Nas bodas de Caná é exatamente o vinho, símbolo do amor de Deus e de sua salvação, que está faltando, um relato fortemente simbólico. Acabar o vinho é uma lástima. Falta a alegria, a felicidade e a vida na festa da comunidade. Ou seja: a manifestação do amor e da glória de Deus para o povo estava desaparecendo no tempo da comunidade joanina. A Aliança está quebrada! Então, o que estava acontecendo com o povo? Qual era a causa? No relato das Bodas, há "seis talhas de pedra vazias”, o que pode indicar excessiva preocupação com rituais, dogmas e doutrinas, e descuido do amor e do cuidado mútuo como causas que aprisionam e dificultam o amor e a união de Deus com o povo.

 

Na religião oficial, administrada pelos judeus fari­seus, a água em seis talhas de pedra servia para os ritos de purificação dos judeus. Simboliza a observância re­ligiosa das leis do puro e do impuro, transformando a vida do povo numa vida sem alegria. A vivência do amor foi substituída pelo ritualismo, dogmatismo e pelas leis do puro e impuro. A aliança fora rompida, e era preciso restaurar a união de Deus com o povo. O texto, que foi acrescentado ao livro de Oseias na desolação e destruição do exílio, anuncia a nova aliança de Israel com Javé: Naquele dia, farei em favor deles uma aliança com os animais do campo, com as aves do céu e com os répteis da terra. Exterminarei da terra o arco, a espada e a guerra. Então, vou fazê-los dormir na segurança. Eu me casarei com você para sempre. Eu me casarei com você na justiça e no direito, no amor e na ternura (Os 2,20-21).

 

No exílio, o grupo profético propõe a nova aliança com Deus “na justiça e no direito, no amor e na ternura”. Anima e fortalece a esperança do povo. A comunidade joanina, como o povo judeu exilado, vive a mesma situa­ção: tempo de opressão, perseguição e desolação. Qual a proposta da comunidade joanina para animar seus mem­bros? De que forma ela deve restaurar a aliança de Deus com o povo “na justiça e no direito, no amor e na ternura”?

 

A resposta da comunidade está na palavra e na prática de Jesus de Nazaré. A comunidade aponta Jesus, aquele que dá a esperança e a vida. E por isso que o evangelho de João inicia o Livro dos Sinais - primeira parte do Evangelho - apresentando uma releitura da vida de Jesus. O primeiro sinal está no texto das bodas de Caná. Para refletir a prática da comunidade joanina, que transforma a água da purificação em vinho, vamos dialogar com o texto.

 

2º Passo: O que o texto diz para mim? A cena das bodas de Caná da Galiléia não se limita simplesmente à ausência de vinho, pois para eles, a salvação de Deus vinha somente pela observância rigorosa da Lei, em vez da prática da solidariedade e do serviço ao próximo. A religião ritualista aprisionava o povo. Jesus Cristo, salva­dor, transforma a água das talhas, usadas nos rituais de purificação, em vinho bom, que é símbolo da vida plena.

 

Um outro assunto também aparece: o relato tem que ser entendido na perspectiva do Reino, na dinâmica do tempo messiânico. O texto também indica que havia aí, em um lugar da casa, seis talhas de pedra vazias. O texto enfatiza que estavam vazias. São vasos destinados a conter a água da purificação, ritual dos crentes judeus. Porém estão vazias, secas. Este símbolo indica que o modelo religioso que Jesus encontrou está ressecado, vazio. . Diante do nosso chamado à vida cristã, podemos nos perguntar:

  1. O que significa a falta de vinho hoje?
  2.  De que forma somos solidários/as diante de tantas realidades de desamor e opressão em nosso meio?
  3. Geralmente me contento com as seis talhas de pedra para as purificações, preocupado com os ritos e as normas religiosas? Esqueço que o melhor vinho ainda não foi servido, pois está escondido no mais profundo de mim mesmo? Será que em nossa casa, em algum lugar, não se encontra talhas de pedras vazias? Que talhas são essas? E porque estão vazias?

 3º Passo: O que a Palavra me leva a falar com Deus? A espiritualidade de Jesus não é a espiritualidade do sacrifício, do pecado e da culpa, da busca da perfeição, mas é a espiritualidade da felicidade e da alegria para as pessoas. Com sua presença, participando das bodas, das refeições festivas e dos banquetes, Jesus anunciava e indicava um outro mundo diferente, onde partilha-se a vida, a convivência, a alegria, abrindo espaço à participação de todos, sobretudo daqueles que eram excluídos da religião. É a alegria contagiante do Evangelho. Diante desse pensamento, com confiança, expres­semos as nossas preces de pedido de perdão pelas vezes em que o vinho é desperdiçado, na situação de desamor que vivenciamos em nós mesmos, em nossas comunidades e na sociedade em geral. Nossas preces também podem ser de louvor  ou de agradecimento a Deus que caminha conosco. Que o seu amor possa orientar as nossas ações cotidianas e que não falte o vinho - a sua bênção em nossa caminhada.

 

4º Passo: O que a Palavra me leva a viver? A mensagem para mim hoje é muito simples e questionadora. Nem ritos, nem abluções, poderão me purificar. Só quando saborear o vinho amor da festa e da partilha, ficarei todo limpo e purificado. Só quando descobrir o Deus presente dentro de mim e nas realidades mais cotidianas, serei capaz de viver a imensa alegria que nasce da profunda unidade com Ele. Com a presença de Jesus, a ritualidade, o legalismo, a norma fria e vazia, se transformam em vinho, símbolo da alegria, do júbilo messiânico, da festa da chegada do tempo novo do Reino de Deus.

A atitude de Jesus, sem nenhum tipo de imposição, vai revelando uma nova imagem e um novo conceito de Deus. Deus deixou de ser esse ser estranho e distante, que atemoriza o ser humano com o peso da doutrina e das leis, mas que revela sua face misericordiosa, ou seja, o Deus que caminha com seu povo.

Preciso eliminar, em minha vida pessoal comunitária, com os sistemas religiosos desumanizantes, para conseguir entrar na dinâmica libertadora, inclusiva e festiva que Jesus inaugurou.

Para Jesus, Deus se manifesta em todos os acontecimentos que me impulsiona a viver mais plenamente. Deus não quer que eu renuncie nada do que é verdadeiramente humano. Ele quer que eu viva o divino no que é cotidiano e normal. A ideia do sofrimento e da renúncia como exigência divina é antievangélica.

A festa está profundamente enraizada no coração do ser humano; ela proporciona o diferente, o novo, o exuberante, o utópico; revela o “homo ludicus” que brinca, canta, dança, transborda emoções, reúne companheiros em comunidade e celebra a vida.

 

Comentando o texto: Jo 2,1-11 - As bodas de Caná

Uma festa de casamento numa aldeia é um aconte­cimento que marca o primeiro dos sete sinais, realizados por Jesus. É um sinal importante para entender os demais sinais, bem como todo o Evangelho de João: é a inaugu­ração do tempo messiânico, da nova e definitiva aliança em Jesus Messias: "Este foi o princípio dos sinais, e Jesus o fez em Caná da Galileia e manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele” (2,11).

 

O palco da inauguração do tempo messiânico, de maneira simbólica, é preparado logo na primeira frase da narrativa: "Três dias depois, houve um casamento em Caná da Galileia” (2,1). Na Bíblia, o terceiro dia é o momento da manifestação de Deus: é o dia da entrega da Lei ao povo (Ex 19,11.1546), como também o dia da salvação de Deus (Os 6,2). É no terceiro dia que Deus ressuscitou Jesus (2,18-19). O primeiro sinal em Caná é o começo de um novo tempo: da nova aliança com Deus “na justiça e no direito, no amor e na ternura” (Os 2,21).

 

E mais ainda: o sinal das bodas de Caná acontece três dias após os quatro dias iniciais, ou seja, no sétimo dia do relato de uma semana que abre a atividade de Jesus (1,19-51). Bem como o Gênesis (Gn 1,1-2,4a), com uma semana, a comunidade joanina apresenta também as atividades de Jesus como a realização de uma nova criação: a nova comunidade daqueles que acreditam em Jesus como salvador e que seguem a sua prática de amor, igualdade, serviço, liberdade e fraternidade. Na narrativa das bodas de Caná, a inauguração dessa comunidade com a nova aliança com Deus é apresentada através de vários objetos e personagens simbólicos.

 

A primeira personagem mencionada é a mãe de Jesus: ela estava lá (2,1). Em seguida, ficamos sabendo que Jesus foi convidado, bem como os seus discípulos. A presença da mãe recebe um destaque especial no início e no fim da missão de Jesus (2,1; 19,25-27). A mãe de Jesus não é mencionada pelo nome, pois o interesse principal é a apresentação de quem é Jesus.

 

Nessa festa de casamento falta vinho! Na região da Palestina se produzia muito vinho, por isso era uma bebi­da muito comum e importante nas refeições. O vinho era símbolo do amor e da alegria, considerado como dom e bênção de Deus (Dn 7,13; Jl 2,24). A mãe, como perspecti­va crítica dos limites da religião oficial, toma a iniciativa e avisa Jesus; ela não faz pedido algum, apenas afirma: “Eles não têm mais vinho!” A resposta de Jesus nos causa estranheza: “Mulher, que temos a ver com isso? Minha hora ainda não chegou” (2,4). O termo "mulher” é um tratamento normal para uma senhora (19,26; 20,13.15).

 

A expressão “que queres de mim” mostra que há in­teresses diferentes ou mesmo suspense (2Sm 19,23; Mc 1,24), mas não hostilidade ou desprezo. Com essa frase, Jesus afirma sua plena autonomia diante de sua missão (7,1-13; 11,3-6). Ao afirmar “a minha hora ainda não chegou”, Jesus sugere que esta ação é apenas um sinal, mas não a sua obra final, que acontecerá quando chegar a sua hora: o momento da entrega de sua vida (13,1).

 

A mãe cheia de confiança afirma: “Façam o que ele acaso disser”. Mesmo não sabendo qual é o projeto de Jesus, ela exorta os serventes para que acolham e sigam as indicações de Jesus. A palavra usada para serventes é "diáconos”, termo que quase não aparece nos escritos, mas era comum nas comunidades cristãs para indicar serviço à comunidade. A presença da “mãe” e dos “ser­vos", com espírito de sensibilidade, abertura e serviço, na narrativa da inauguração do tempo messiânico, é muito significativa. Na história da Bíblia, as mulheres e os homens sensíveis à realidade e abertos ao próximo ajudam a renovar a aliança com Deus.

 

No contexto da renovação da aliança, a recomen­dação da mãe aos servos pode representar uma alusão às palavras do povo no Sinai: "Faremos tudo o que Javé mandou” (Ex 19,8). Nesta cena, a mãe representa o Anti­go Israel fiel ao projeto de Deus. É uma parcela do povo que compreende que a antiga aliança foi desvirtuada, há excesso de leis - muita água - e pouco vinho - pouca vida. A antiga aliança não está trazendo vida para as pessoas; Jesus inaugura a aliança nova com a proposta de vida plena.

 

Da mesma forma que Maria estava lá, também ha­via seis talhas de pedra, de duas ou três medidas, com cerca de oitenta a cem litros cada uma. De acordo com o Talmude (literatura rabínica), as talhas deviam ser de pedra, por causa da pureza. Será que elas estavam aí por causa das purificações rituais tão valorizadas pelo judaís­mo farisaico? Essas talhas estão vazias, sem utilidade, e agora irão servir para uma nova realidade. Jesus manda que eles encham as talhas com água. A água no judaísmo também é um símbolo da Torá, como também as talhas de pedra, que lembram as tábuas de pedra em que foi escrita a Lei (Ex 31,18; 32,15). Água tem bastante, o que falta é o vinho, símbolo da alegria messiânica.

 

Outro elemento interessante é o fato de haver seis talhas de pedras. O número seis significa algo incompleto, por oposição ao número sete, que indica a totalidade. Seis é também o número das festas apresentadas no Evangelho de João, sendo três páscoas: 2,13; 6,4; 11,55; uma festa anônima: 5,1; a festa das tendas: 7,2; a da de­dicação do templo: 10,22. Essas festas, como as talhas, estão vazias. As autoridades judaicas transformaram as festas em momento de exploração e opressão justificadas pela Lei. As festas e a Lei de purificação são imperfeitas, não trazem vida em plenitude. Elas serão substituídas pela Páscoa de Jesus, a festa da vitória do amor sobre a morte (19,42).

 

A água foi levada ao chefe da cerimônia, que ao pro­var exclamou que o vinho bom foi guardado até agora! (2,10). Esse vinho trazido por Jesus é o restabelecimento da relação de amor entre Deus e o povo. A cena de Caná está em oposição à Lei: “A Lei foi dada por Moisés, mas a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo” (1,17). O vinho bom é oferecido ao chefe da cerimônia, representando os dirigentes judaicos que mostram des­conhecimento de onde provém este vinho, ou seja, não reconhecem a Jesus: a Palavra "veio para os que eram seus, mas os seus não a receberam” (1,11).

 

Olhando para a cena de Caná, podemos ver que a Mãe representa o Israel, que sente falta do vinho, enquan­to o chefe da cerimônia representa os judeus que estão preocupados com a água para a purificação. A Mãe é o grupo que é sensível e solidário, que vê a necessidade do povo, que acredita e espera pelo Reino de Deus. Mas o chefe da cerimônia, ou seja, os dirigentes judaicos estão satisfeitos e querem, a todo o custo, manter a antiga aliança, que já está vazia, e não traz vida e alegria.

 

O motivo principal do conflito no episódio das bodas de Caná é a Lei, simbolizada pelas talhas de pedra vazias. A Mãe quer, avisa e ensina uma religião com mais vida e amor em vista de uma sociedade na qual todas as pesso­as tenham vida em abundância (10,10), ao passo que o chefe da cerimônia prefere manter a ordem vigente. Essa posição será encontrada em todo o Evangelho de João e um lado, os judeus que acreditam e aderem ao proje­to de Jesus e, de outro, os grupos que rejeitam qualquer mudança e defendem seu sistema. E nós, qual a posição que assumimos em nossa vida e em nossas comunidades?