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28 - Salmos
28 - Salmos

  1. O que são os salmos

“Salmo” é uma palavra que vem do grego. Significa uma “oração cantada e acompanhada de instrumentos musicais”. Ao todo são 150, e formam o mais extenso livro da Bíblia, chamado de “livro dos Sal­mos” (em hebraico o livro dos Salmos é chamado de Tehillim, ou. seja, louvores). Alguns salmos trazem indicações de como eram can­tados algum tempo depois que surgiram. Por exemplo, o Salmo 12 (11), 1, diz: Do mestre de canto. Para instrumentos de oito cordas. De Davi. E fácil compreender que eram cantados. Basta olhar as indi­cações de vários deles. Por exemplo, no Salmo 22 (21),1, lemos: Do mestre de canto. Sobre “A corça da manhã”. Salmo. De Davi. Isso significa que, quando foi escrito, esse salmo era cantado com base numa melodia conhecida como “A corça da manhã”.

Os salmos, portanto, nasceram para ser cantados. Isso não quer dizer que não se possa rezá-los, e sim que a melhor forma de rezá-los é cantando-os. Trata-se da mais rica coleção de orações que a humanidade co­nhece. Apesar de serem muito antigos, os salmos são eternamente jovens, capazes de falar à alma dos homens e mulheres de todos os tempos e lugares. Por isso é que podemos considerá-los como espe­lhos nos quais nos vemos, nos movemos e existimos. Falam tão bem de nossa vida, das alegrias e esperanças, das dores e dos conflitos, que parecem ter sido escritos em nossos dias e para o hoje da nossa caminhada.

Os salmos nasceram em ambiente judaico e são frutos da es­piritualidade judaica. Sua língua original é o hebraico. Mas logo se tornaram patrimônio de todos os que acreditam na vida e na jus­tiça, independentemente da raça a que pertencem. Daí estarem hoje traduzidos em quase todas as línguas que a humanidade co­nhece.

Os salmos são poesia e devem ser apreciados também por causa disso. Alguns deles são autênticas obras da arte poética. Todavia, os que simplesmente se detêm na forma poética estão longe de saborear- lhes os conteúdos. E como se alguém, ao receber um presente, se contentasse em apreciar a embalagem.

Jesus sem dúvida rezou os salmos. Todo menino judeu aprendia logo a memorizar essas orações que eram o que havia de mais precio­so no tesouro espiritual do povo de Deus. De fato, desde pequeno Jesus deve ter aprendido a ler e a escrever; deve ter estudado a his­tória e as tradições do seu povo e aprendido a rezar com os salmos. Nos evangelhos há várias passagens em que Jesus recorda salmos (veja, entre outras, Marcos 12,36; Mateus 27,46; Lucas 23,46).

Os primeiros cristãos valorizavam enormemente o livro dos Salmos. De fato, juntamente com Isaías e o Deuteronômio, esse livro está entre os mais citados no Novo Testamento. Ao longo dos tempos as comunidades cristãs transformaram esse livro no seu livro predileto de orações. O canto gregoriano imortalizou o louvor a Deus por meio dos salmos, e hoje em dia as comunidades cristãs redescobrem sempre mais a água viva que brota dessa fonte ines­gotável. E por isso que surgem em toda a parte grupos que se reú­nem para conhecer mais os salmos, a fim de rezá-los de modo sem­pre mais adequado.

A Liturgia recorre sem parar aos salmos, tanto na celebração eucarística quanto na Liturgia das Horas. Infelizmente, em muitos casos dá-se pouca importância ao Salmo responsorial após a primei­ra leitura da missa. Outras vezes — o que é pior — o Salmo é trocado por qualquer outro canto.

2. A numeração do livro dos Salmos

Quando um grupo de pessoas se reúne para estudar ou rezar os salmos, logo aparecem algumas dificuldades. Isso porque nem todas as pessoas têm a mesma Bíblia. A numeração dos Salmos varia, de­pendendo de onde foi traduzida a Bíblia: do latim ou do hebraico. Dificuldades maiores costumam surgir quando entramos no texto. Uma tradução pode estar totalmente diferente da outra.

Não é fácil entrar em acordo. A esperança é que um dia chegue­mos a um entendimento a esse respeito. Por que a numeração é dife­rente? Porque temos traduções feitas do hebraico e traduções feitas do latim. Nos oito primeiros Salmos não há problemas. Têm a mes­ma numeração em todas as traduções. Mas a partir daí iniciam-se os problemas. As traduções feitas do latim — seguindo o que fez a mais antiga tradução grega, chamada “Setenta” — unem num só os Sal­mos 9 e 10 da numeração hebraica. A partir daí, até o Salmo 113, a numeração hebraica está um número à frente da latina. Por exem­plo, se o salmo do bom pastor é, na sua Bíblia, o de número 22, signi­fica que você tem em mãos uma tradução feita do latim. Se, ao con­trário, for o número 23, é sinal de que sua Bíblia foi traduzida do hebraico, a língua-mãe dos Salmos.

A seguir, os Salmos 114-115 da numeração hebraica corres­pondem ao Salmo 113 da numeração latina, e os Salmos 114-115 desta correspondem ao Salmo 116 daquela. Do Salmo 117 ao 146 a numeração hebraica está novamente um número à frente da latina. O Salmo 147 do hebraico é dividido em dois pelas traduções latinas, formando nelas os Salmos 146-147. Os últimos três têm a mesma numeração em todas as traduções.

O esquema é este:

Numeração hebraica,  1-8; 9-10; 11-113; 114-115; 116; 117-146; 147; 148-150

Numeração latina,  1-8; 9; 10-112; 113; 114-115; 116-145; 146-147; 148-150

Como orientar-se nessa floresta de dificuldades? É preciso ter calma e paciência. Aos poucos as pessoas se familiarizam e as difi­culdades se tornam menores ou até desaparecem. As traduções fei­tas do latim já deram sua contribuição. Deveriam deixar seu lugar a traduções mais modernas, feitas do hebraico. Apropria Liturgia de­veria se adaptar a essa novidade. O fato de ter usado por séculos numeração e tradução latinas não é motivo suficiente para não mudar hoje. E seria um sinal de respeito e de diálogo ecumênico com o judaísmo, que partilhou conosco essa herança espiritual.

Neste estudo usaremos sempre a numeração hebraica. No iní­cio de cada salmo conservaremos, entre parênteses, a numeração das traduções feitas do latim. Mas, ao citar um salmo, o faremos sempre segundo a numeração hebraica. E a tradução dos Salmos é a que se encontra na Bíblia SagradaEdição Pastoral. E, ao mesmo tempo, uma tradução fiel e popular, que o povo consagrou como a melhor.

3. Quando surgiram os salmos?

Impossível saber. Nasceram ao longo de seiscentos anos. Alguns são muito antigos; outros são relativamente próximos ao tempo de Jesus. Só raramente é que conseguiremos afirmar, com bastante probabilidade, um acontecimento próximo capaz de situar com exa­tidão o surgimento do salmo. E o caso do Salmo 46, que parece ter surgido depois da retirada do exército de Senaquerib, no ano 701 antes de Cristo. Mas, na maioria dos casos, não sabemos quando este ou aquele salmo surgiram.

Antes de aparecer por escrito, os Salmos foram vividos. Em ou­tras palavras, quem criava um salmo não estava preocupado em escrevê-lo. Simplesmente manifestava diante de Deus e das pessoas sua situação de sofrimento, alegria, confiança, louvor etc. Essas ora­ções espontâneas, nascidas de situações concretas da vida, provoca­ram forte impacto na vida das pessoas. Por isso permaneceram vi­vas na memória do povo. Outras pessoas ou grupos, que passaram pela mesma experiência, assumiram essas mesmas orações. E as­sim os Salmos foram sendo conservados de geração em geração.

Para que essa riqueza não viesse a se perder, muito tempo de­pois, se começou a registrar esses textos por escrito. Entraram em ação as pessoas que sabiam ler e escrever, que adaptaram, acrescen­taram, ordenaram, de modo que os Salmos receberam uma roupa­gem nova, como podemos ver em nossas Bíblias. Mas na origem de­les não há um texto escrito. Há, isso sim, uma experiência forte de uma pessoa ou grupo, e essa experiência foi sendo conservada e pas­sada adiante. Para esclarecer, vamos propor um exemplo. Imagine­mos que você costume rezar espontaneamente e em voz alta com base no que vive, vê e sente. Seus filhos, rezando com você, vão apredendo as orações que você costuma fazer espontaneamente e as pas­sam para a geração futura, adaptando, acrescentando, corrigindo. Mui­to tempo depois, para que essa riqueza não se perca, alguém deci­de registrar por escrito essas orações. Já não é possível saber quem as criou. Tornaram-se patrimônio de todos, porque espelham o que gerações e gerações experimentaram quando tentaram tradu­zir a própria fé. O surgimento dos Salmos, portanto, perde-se nas neblinas da história. É perda de tempo querer saber quando nas­ceram.

Neste estudo dos Salmos daremos pouca importância à data em que teriam surgido. E o motivo é claro: não é possível saber quando. Mais importante é explorar bastante o texto, a fim de que forneça o maior número possível de informações sobre a situação vivida por quem o criou.

4. Quem escreveu os Salmos?

À primeira vista a resposta parece fácil; 73 deles são atribuídos a Davi. Outros são dos “filhos de Coré” (11), ou de “Asaf” (12), ou “de Salomão”, ou “de Etã”, ou “de Iditun” etc. São as informações que encontramos no início de muitos salmos. Alguns deles, atribuídos ao rei Davi, procuram, na vida desse rei, uma situação que se enquadre ao tema do salmo. É, por exemplo, o caso do Salmo 7,1: Lamentação. De Davi. Ele a cantou para Javé, a propósito de Cuch, o benjaminita.

Que valor dar a essas informações? Teria sido de fato Davi o autor da maioria dos Salmos? Claro que não. O estudo que apresen­taremos irá confirmar isso, e as pessoas não precisam se assustar. Naquele tempo e naquela cultura era costume atribuir partes da Bíblia a personagens famosas do passado. Por exemplo, a Lei é atri­buída a Moisés, e a Sabedoria a Salomão. Davi sempre foi visto como alguém interessado pela liturgia e pelo culto. Era tido como o ho­mem da oração, o amigo de Deus. Por isso a maioria dos Salmos é atribuída a ele. Portanto, onde se lê “De Davi” é melhor ler “Dedica­do a Davi”. Essas informações no início dos Salmos foram acrescen­tadas tempos depois pelos estudiosos que puseram por escrito os Salmos, retocando, acrescentando, corrigindo.

Um exemplo tirado de Marcos 12,35-37a ajuda a esclarecer a questão. Aí Jesus confunde a sabedoria dos doutores da Lei, citando o Salmo 110, atribuído a Davi. Vejamos o texto: Jesus ensinava no Templo, dizendo: “Como é que os doutores da Lei falam que o Mes­sias é filho de Davi? O próprio Davi, movido pelo Espírito Santo, falou: ‘O Senhor disse ao meu Senhor: sente-se à minha direita, até que eu ponha seus inimigos debaixo de seus pés’. Portanto, o próprio Davi chama o Messias de Senhor Como é que ele pode então ser seu filho?”.

Jesus deixou os doutores da Lei num beco sem saída. Mas a saída existe. Se admitirmos que o Salmo 110 não é de Davi, mas de uma pessoa ligada ao palácio do rei, tudo se esclarece. O amigo do rei afirma: Disse o Senhor (Deus) ao meu Senhor (o rei de Judá). Apesar de não ser exatamente esse o raciocínio de Jesus em Marcos 12,35- 37a, esse exemplo serve para mostrar que Davi não é o autor dos Salmos. Os Salmos é que foram dedicados a ele, por ser considerado o homem da oração.

E os outros “autores”? O critério é o mesmo. Jamais sabere­mos quem criou os Salmos, pois nasceram de forma oral e espontâ­nea, com base naquilo que pessoas e grupos sentiam e vivenciavam. Muito tempo depois foram escritos. Alguns foram dedicados (a Davi, Moisés, Salomão, Asaf e outros), outros foram incorpora­dos em hinários, como os Salmos que, no início, trazem o título “Do mestre de canto” (veja, por exemplo, o Salmo 54), ou o conjunto dos Salmos 120-134, que são chamados de “Cânticos das subidas”. Depois de terem sido escritos, estes 15 Salmos curtos certamente fizeram parte de um livrinho para os romeiros que peregrinavam a Jerusalém. Antes, porém, foram experiências concretas de pes­soas ou grupos. Somente depois alguém os pôs por escrito. E as­sim acabaram transformados em parte do livrinho de cantos para os peregrinos.

Portanto, se quisermos dar uma resposta à pergunta: “Quem escreveu os Salmos?”, devemos responder que foi o povo em suas lutas, alegrias e esperanças, certezas e sofrimentos. Numa palavra, foi o povo que sempre sentiu Deus como aliado na luta pela vida e pela justiça. De fato, os que crêem nesse Deus ainda hoje sentem que os Salmos são como que um resumo de todo o Antigo Testamen­to. Sentem também que o povo de ontem tinha as mesmas esperan­ças que os homens e mulheres de hoje cultivam enquanto sonham e lutam por um mundo melhor. E Deus é sempre o aliado que não decepciona.

5. Os Salmos não são todos iguais

A descoberta de que os Salmos não são todos iguais é de grande vantagem para quem se dispõe a aprofundá-los, a fim de rezá-los de forma mais adequada. Isso significa que os Salmos têm uma situa­ção que os provocou, e essa situação pode não ser aquela que vive­mos no momento presente. Por isso é importante conhecer o que está por trás de cada salmo, a fim de descobrir-lhe o sentido.

Podemos dividir os Salmos em 14 tipos diferentes. Esses 14 ti­pos podem ser agrupados em 5 famílias.

A primeira família é a dos Hinos. Essa família tem 3 “filhos”: Hinos de louvor; Salmos da realeza do Senhor; Cânticos de Sião. Os Hinos de louvor são 20. Por exemplo, o Salmo 8 e o Salmo 146 são Hinos de louvor. Sua característica principal é o louvor a Deus por sua ação na história, criando, libertando etc. Os Salmos da realeza do Senhor são 6. São desse tipo aqueles salmos que afirmam ou in­sistem na expressão “Javé é Rei”. Por exemplo: Salmos 98 e 99. Os Cânticos de Sião são 7. São chamados assim aqueles salmos que têm como tema central a cidade de Jerusalém, também chamada de Sião. Por exemplo: Salmos 46 e 84.

A segunda família é a dos Salmos individuais. Também essa família tem três “filhos”: Súplica individual; Ação de graças indivi­dual; Confiança individual. Os salmos de Súplica individual são os mais numerosos: 39. Isso é muito importante para uma nova visão dos Salmos, como tentaremos mostrar daqui para a frente. Nesses salmos uma pessoa clama a Javé por causa da injustiça. Por exem­plo: Salmos 140 e 141. Os salmos de Ação de graças individual são 11. Uma pessoa, após ter clamado e ter sido atendida, agradece a 1 Icus. Por exemplo: Salmos 30 e 32. Os salmos de Confiança indivi­dual são 9. Uma pessoa expressa sua absoluta confiança em Javé. Por exemplo: Salmos 23 e 27.

A terceira família é a dos Salmos coletivos. Segue o mesmo esquema da anterior e tem três “filhos”: Súplica coletiva; Ação de praças coletiva; Confiança coletiva. Os salmos de Súplica coletiva mio 18. Trata-se do clamor de um grupo diante das injustiças. São, por exemplo, os Salmos 12 e 44. Os salmos de Ação de graças coletivos  são apenas 6. Um grupo agradece a Javé a superação de um conflito ou um dom recebido. Por exemplo, Salmos 65 e 66. Os sal­mos de Confiança coletiva são apenas 3. Neles um grupo de pessoas confessa sua total confiança em Javé. São os Salmos 115, 125 e 129.

A quarta família é a dos Salmos reais ou régios. São chamados assim porque a personagem central é a pessoa do rei em ação. São salmos carregados de ideologias, pois, defendem a monarquia como instituição divina. Mais ainda: o rei é apresentado como filho de Deus (2,7). Ao todo os salmos reais são 11. Pertencem, por exemplo, a essa família os Salmos 2 e 110.

A última família é a dos Salmos didáticos. Tem 4 “filhos”: Li­turgias; Denúncias proféticas; Históricos; Sapienciais. Apenas 3 sal­mos são do tipo Liturgia. São chamados assim porque mostram um fragmento de liturgia antiga, da qual pouco ou nada se sabe. São os Salmos 15, 24 e 134. Os salmos de Denúncia profética são 7. São aqueles salmos muito próximos à linguagem dura dos “profetas de fogo”, como Amós, Miquéias e outros, que fizeram da denúncia das injustiças a sua preocupação principal. Por exemplo, os Salmos 52 e 53. Os salmos Históricos são somente 3: 78, 105 e 106 (certos Hinos de louvor também podem ser considerados históricos: 111, 114, 135 e 136). São chamados assim porque contam a história do povo de Deus. Depois do Salmo 119, são os mais longos (para contar a história, exige-se muito tempo). Interessante notar, desde já, que cada um deles tem uma visão própria da história: otimista + pessimista (78), otimista (105), pessimista (106). Finalmente, os salmos Sapienciais. São 11. São os salmos preocupados com as questões existenciais mais importantes: o sentido da vida, a felicidade, a ilusão das riquezas, a vida que passa etc. São aquelas preocupações que nos visitam quan­do passamos da metade da vida, tempo em que somos convocados a produzir sabedoria, ou seja, dar um sentido a tudo o que fazemos, temos e somos.

Muitos situam o livro dos Salmos no bloco dos Sapienciais. Mas, estritamente falando, somente 11 salmos é que podem ser chama­dos, sem sombra de dúvida, de sapienciais.

Acabamos de ver que os Salmos não são todos iguais. Há pelo menos 14 tipos diferentes. Nem sempre os Salmos são “puros” no tipo que apresentamos. Por quê? Porque quem criava um salmo não esta­va preocupado com o tipo. Simplesmente abria o coração e a alma, expondo a situação em que vivia. Alguns salmos misturam, por exem­plo, súplica com ação de graças. Por isso, se somarmos as quantidades de salmos apresentadas para cada tipo, teremos mais de 150 salmos.

6. Uma chave de leitura importante

Entre as muitas chaves para ler os Salmos, uma é de capital im­portância. Trata-se do conflito que gerou cada um dos salmos. Vamos ver isso de perto. Se somarmos os salmos de Súplica individual (39) com os de Súplica coletiva (18) teremos 57; ou seja, mais de um terço do livro dos Salmos é composto de um grande clamor, geralmente con­tra a injustiça. Se somarmos a isso os salmos de Ação de graças indi­vidual (11) e os de Ação de graças coletiva (6), teremos 74, ou seja, quase 50% do livro. É bom ter presente o seguinte: os salmos de ação de graças nasceram da superação do conflito. O conflito, portanto, de alguma forma está presente também neles. Se prestarmos atenção aos Salmos, perceberemos que todos eles revelam um conflito. As vezes trata-se de conflito aberto, como uma fratura exposta; outras, será preciso escavar profundamente para perceber que, no fundo, há uma tensão por trás do texto. Evidentemente, quando se fala de con­flito, se quer dizer tensão, pessoal ou social, relações sociais injus­tas, de opressão, exploração etc. Neste estudo exploraremos abun­dantemente esse aspecto. E teremos a grata satisfação de perceber que os Salmos não nasceram de pessoas alienadas, nem se destinam a alienados. Pelo contrário. A chave do conflito, portanto, será fun­damental na nossa reflexão. E sentiremos um Deus muito próximo, aliado, companheiro e comprometido com a justiça e a liberdade.

7. Formação do livro dos Salmos

Já dissemos que os Salmos foram surgindo aos poucos, de forma oral, num período de seiscentos anos. À medida que iam sendo pos­tos por escrito, sofriam algumas adaptações. Antes de fazerem parte daquele que conhecemos hoje como o livro dos Salmos, muitas des­sas orações pertenciam a coleções menores, como a coleção das ora­ções de Davi mencionada em 72,20, a coleção de Asaf (50; 73-83), a dos filhos de Coré (42-49; 84-85; 87-88), a das subidas (120-134), a do hallel (105-107; 113-118; 135-136; 146-150).

Alguns estudiosos reuniram todas essas orações já postas por escrito e formaram o livro dos Salmos. Sem sombra de dúvida, mui­tos outros salmos foram criados e muitos outros escritos. Todavia, somente esses 150 passaram a fazer parte do livro dos Salmos.

Esses estudiosos tiveram a preocupação de pôr os Salmos em ordem. Foi assim que o Salmo 1 foi posto no início, pois funciona como porta de entrada para todo o livro. Igualmente o Salmo 150: encontra-se no fim por ser a chave de ouro que fecha o volume. De fato, é um solene hino de louvor, uma espécie de orquestra de toda a criação. Antes dele, já preparando o grande encerramento, outros hinos de louvor (145-149).

Para que se parecesse com a Torá ou Pentateuco (os primeiros cinco livros da Bíblia), os estudiosos organizaram os Salmos em cin­co livros menores. E o que se descobre lendo as doxologias (breves hinos de louvor) acrescentadas aos salmos que encerram esses livrinhos. De fato, em 41,14 se diz: Seja bendito Javé, Deus de Israel, desde sempre e para sempre! Amém! Amém! Esse breve hino de louvor encerra o primeiro livrinho, composto dos Salmos 1-41. Em 72,18-20 se lê: Seja bendito Javé, o Deus de Israel, porque só ele realiza maravilhas! Para sempre seja bendito o seu nome glorioso! Que toda a terra se encha da sua glória! Amém! Amém! (Fim das orações de Davi, filho de Jessé). Aqui termina o segundo livrinho, composto dos Salmos 42-72. O terceiro livrinho compreende os Sal­mos 73-89, encerrando-se com a doxologia de 89,53: Seja bendito Javé para sempre! Amém! Amém! O quarto livrinho é constituído pe­los Salmos 90-106, concluindo com estas palavras: Seja bendito Javé, Deus de Israel, desde agora e para sempre! E todo o povo diga: Amém! Amém! (106,48). Ao último livrinho pertencem os salmos res­tantes (107-150), com todo o salmo 150 funcionando como hino de louvor.

8. O nosso estudo dos Salmos

Há muitos modos de estudar os Salmos. E há muitos estudos feitos. Por que então propor mais um estudo? Não basta oferecer mais um estudo entre os tantos que já existem. É preciso dizer o que há de novo naquilo que é proposto.

Nosso estudo pretende ser popular e ligar os Salmos com a vida das pessoas de hoje. Por ser popular, não se perde nas discussões sobre o texto e as possíveis formas de traduzi-lo. Tomamos uma tra­dução e, com base nela, a reflexão crescerá, estabelecendo uma pon­te entre o ontem e o hoje, de modo que cada salmo possa falar ao coração dos homens e mulheres de hoje. Será um estudo preocupado com os grandes problemas que angustiam o povo de Deus hoje: luta pela terra, ecologia, ecumenismo, cidadania etc.

Ao estudar cada um dos Salmos, iremos percorrer alguns pas­sos. 1. Após apresentar o texto do salmo, veremos brevemente a qual dos 14 tipos pertence, de modo que, desde o início, ele apareça com cor e identidade próprias. 2. Quando possível, apresentaremos a es­trutura do salmo, o modo como está organizado, além de salientar as principais “imagens” criadas pelo salmista para exprimir o que sen­tia. 3. O terceiro passo é dos mais importantes. Tentaremos tirar do salmo o maior número possível de informações. Perguntaremos ao texto o que está acontecendo, por que nasceu esse salmo, onde está o conflito, quem está contra quem e por qual motivo. Como dissemos antes, a quase totalidade dos Salmos revela ou esconde um conflito. Às vezes o conflito é muito evidente; outras não. 4. Depois de detec­tar o conflito presente em cada salmo, perguntaremos: Qual é o ros­to de Deus presente nesse texto? Como Deus aparece? De que lado está? E iremos constatar que Deus é sempre o aliado dos que lutam pela justiça, é sempre o Deus da Aliança, o Deus parceiro e compro­metido. Daí passaremos brevemente ao Novo Testamento, a fim de ver se o salmo estudado tem algo que ver com a vida e a prática de Jesus. Sim, porque é nele que os Salmos encontram sua coroa. Com razão podemos dizer que Jesus não veio para abolir os Salmos, e sim dar-lhes cumprimento (cf. Mateus 5,17). Não se trata de simples­mente constatar que esse ou aquele salmo está citado nesse ou na­quele livro do Novo Testamento. Pelo contrário, trata-se de ver como os conteúdos do salmo ecoam na pessoa, palavras e ações de Jesus, se ele as realiza ou se lhes dá contornos novos. 5. Finalmente, depois de estudar o salmo, tentaremos mostrar como fala à nossa vida hoje. E como poderíamos rezá-lo com proveito. São simples sugestões. Cada pessoa ou grupo, após o estudo, certamente encontrará pistas úteis para um bom aproveitamento do salmo.

9. Classificação dos Salmos

Da família dos Hinos (os salmos entre parênteses misturam ti­pos diferentes). Hinos de louvor: 8; 19; 29; 33; 100; 103; 104; (105); 111; 113; 114; 117; 135; 136; 145; 146; 147; 148; 149; 150. Salmos da realeza do Senhor: 47; 93; 96; 97; 98; 99. Cânticos de Sião: 46; 48; 76; 84; 87; 122; (132).

Da família dos Salmos individuais. Súplica individual: 5; 6; 7; 10; 13; 17; 22; 25; 26; 28; 31; 35; 36; 38; 39; 42; 43; 51; 54; 55; 56; 57; 59; 61; 63; 64; 69; 70; 71; 86; 88; 102; 109; 120; 130; 140; 141; 142; 143. Ação de graças individual: 9; 30; 32; 34; 40; 41; 92; 107; 116; 138. Confiança individual: 3; 4; 11; 16; 23; 27; 62; 121; 131.

Da família dos Salmos coletivos. Súplica coletiva: 12; 44; 58; 60; 74; 77; 79; 80; 82; 83; 85; 90; 94; (106); 108; 123; 126; 137. Ação de graças coletiva: 65; 66; 67; 68; 118; 124. Confiança coletiva: 115; 125; 129.

Da família dos Salmos reais: 2; 18; 20; 21; 45; 72; 89; 101; 110; 132; 144.

Da família dos Salmos didáticos: Liturgias: 15; 24; 134. Denún­cias proféticas: 14; 50; 52; 53; 75; 81; 95. Históricos: 78; 105; 106. Sapienciais: 1; 37; 49; 73; 91; 112; 119; 127; 128; 133; 139.